domingo, 10 de março de 2013

Fátima Guedes


Procurando na mente uma frase para criar um teaser para a matéria que escrevi agora a pouco, me veio à mente a frase final da música "Onze Fitas", com letra também de Fátima Guedes. Desde que ela era uma adolescente moradora da Taquara, em Jacarepaguá em 1973, Elis, não sei como, ouviu uma composição sua. Foi atrás da menina e se encantou com tanta profundidade e beleza criativas e começou a cantá-la desde 1978, incluindo aquela joia rara em seu show e disco de 1981, Saudades do Brasil. Elis abria o show interpretando "Onze Fitas", acompanhada do maravilhoso conjunto de sons inesquecíveis liderado por César Camargo Mariano. Nossa maior cantora enlouquece no palco com estes versos que, na verdade, enlouqueceriam qualquer pessoa que preza o belo:

Por engano, vingança ou cortesia
Tava lá morto e posto, um desregrado
Onze tiros fizeram a avaria
E o morto já tava conformado
Onze tiros e não sei porque tantos
Esses tempos não tão pra ninharia
Não fosse a vez daquele um outro ia
Deus o livre morresse assassinado
Pro seu santo não era um qualquer um
Três dias num terreno abandonado
Ostentando onze fitas de Ogum
Quantas vezes se leu só nesta semana
Essa história contada assim por cima
A verdade não rima
A verdade não rima
A verdade não rima...

Junto com letras antológicas o som de Fátima é dissonante e extremamente harmonioso, como Debussy. Numa noite de 1979, estando no Rio como sempre ia a trabalho ou para visitar meus pais, adorava jantar no Castelo da Lagoa e esticar no Chico's Bar até dar a hora de ir pro Galeão pegar o "leiteiro", avião da VARIG que saía pra Brasília às 6:00h. O Chico's era reunião de todos os gênios pelos quais eu e meu violão babávamos. Luiz Eça, Luis Carlos Vinhas, Johnny Alf e as inúmeras canjas da turma que vinha dos filmes, shows e peças para se encontrar num ambiente mais reconhecível. Aí vi Fátima Guedes. Bem feiosa, nariz adunco imenso tomando metade de seu rosto, cabelo bonito e sedoso caindo em cima de um olho como a Jessica Rabbit, bem fatal, baixinha! Lá pelas tantas ela levanta e pega o microfone e começa um solfejo onde se destaca uma voz extremamente anasalada e curta. Mas começo a divisar que ela canta Cheiro de Mato e meus ouvidos, até hoje adorariam só ouvir aquele som:

Ai, ai o mato, o cheiro,o céu
O rouxinol no meio do Brasil
O Uirapuru canta pra mim
E eu sou feliz
Só por poder ser
Só por ser de manhã, manhã, manhã
Manhã, manhã
Nessa clareira o Sol
Se despe feito brincadeira
Envolve quente a todo ser vivente

Taperebá
Canela, tapinhoã, nã nã nã nã
Não faço nada
Que perturbe a doida a louca passarada
Ou iniba qualquer planta dormideira
Ou assuste as guaribas na aroeira
Em contra-ponto com pardais urbanos
Tão felizes soltos dentro dos meus planos
Mais boquiabertos que os meus vinte anos
Indóceis e livres como eu.

Quem presenciou isso, quem viveu isso com a intensidade que vivi, confesso que não consigo, tento mas não consigo, vou tentar outra vez mas vou morrer sem conseguir gostar de barulho ou baboseiras de "Matar o papai", "Ai seu te pego" "Quero tchu, quero tchá" e tantas outras composições de tantas "bandas" insones dos Chorões da vida, ou seria da morte? Aí eu peço a Deus: Pai! Matai-me enquanto sou anjo! Ou pior: Dra. Virgínia! Pode arrancar meu tubo!


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