segunda-feira, 4 de março de 2013

Cantinho da Poesia


Não sou nem nunca fui poeta. Mas o brasileiro sempre se acha um pouco médico, técnico de futebol e poeta. Dentro desse diapasão cheguei a escrever um livro, obviamente não publicado como quase todos os meus "livros", do qual resolvi, de quando em vez, pinçar alguma coisa no ramo. Se levar muita paulada, peço perdão antecipado. Se alguém gostar, de vez em quando vou soltar mais alguma coisa, de três em três. São três poemas de tema amor. com algum cuidado de rima e ritmo, bem na contra-mão da poesia contemporânea. O quê fazer?

FADO DA VOLTA (UM SONHO IMPOSSÍVEL)

Quando acordei ontem
Te vi ao meu lado
E cantavas um fado
Alegre e sereno
Negação do próprio som
Que nasce triste e ameno
Nas terras d’além-mar.

Na euforia dessa volta
Meu sonho se encurta
E se solta,
Amando em tom maior.

Mas, dissonante desperto
E do lado, o fado estreito,
Não és tu é meu peito
Que insiste em respirar.

ABORTO

Por esta vez inusitada
Cada lágrima que descia
Meu rosto abaixo
Era um pedaço que eu paria
Do amor sem dizer nada.

Colhia fragmentos de alma
Que não mais habitam
Essa morada.

Que pena o não poder
Reter em minhas entranhas
Um ser diferente
Que pulsa ao sabor
De montanhas nunca dantes escaladas.

E se comigo chora
Esse momento inarredável
Mais reclamo o aborto inexplicável
Que explode de dentro p’ra fora
Arrastando o alento que inda agora
Se fazia certo em minha estrada.

De repente vem o tempo
E estanca a hemorragia
Ensinando ao sangue
O caminho de volta ao coração
E de antemão me preparo
P’ra sangrar novamente
Até quedar inerme
Esperando um primeiro verme
A livrar o mundo
Do meu enfado.

Mas enquanto se passa
Esse tormento
Decerto que o vento
Não pára de soprar
E então o corpo se endireita
E a alma espreita
Um jeito de ressuscitar.

Se rasga o ventre da terra
E por dentro dos destroços
Renasce um fogo sem remorsos
De arriscar-se a morrer de novo.

Esse é o sentido da vida,
O âmago deflorado do sofrimento :
Não importa a dor do sentimento
Mas há que resguardar
As cinzas deste parto, 
Os restos corroídos desse incesto
Que alimentou o inverno inacabado.

Assim, dessa maneira inglória, 
muito pouco gloriosa,
Eu e tu seremos história
Resgatando do peito fatigado
Uma vontade de amar bem teimosa.

E amanhã quando a neblina
Avançar sobre os meus caminhos
Não diga eu
Que por medo de espinhos
Jamais colhi uma rosa.

SÓ PRANTO


Em meio às teias da noite
Quando desce a cortina e o espetáculo se faz
No ambiente do coração e da mente,
Sendo o público presente
Nada mais que a própria alma,
Tu vens e me perguntas por quê choro ?

Choro de alegria
Pelo fato de estar contigo.

Choro de tristeza
Pelo caráter finito do tempo.

Choro de surpresa
Pela dádiva inesperada.

Choro de emoção
Pelo espanto presente
No amar de novo.

Choro de aflição
Pela impossibilidade de mudar
O caminho que ele terá.

Choro de ambição
Ansiando que ele seja
Mais do que será.

Choro de fingimento
Para que penses
Que não choro por ti.

Choro com sinceridade
Por minha incompetência
Em saber as regras do jogo.

Choro de prazer
Ao constatar que vou sentir
Tudo de novo.

Choro de medo
Do caminho que volto a trilhar.

Choro de dor
Pelo sangue que verterei
Na jornada.
Choro pelo calor
Que amornará meus sonhos.

Choro pelo frio
Que grassa nos momentos
Em que se quebra a ternura.

Choro pela doçura
Que decerto envolverá
Meus carinhos.

Choro pela servidão
Inerente à paixão.

Choro pela escravidão
Macia que de ti virá.

Choro de alarde
Anunciando toda tarde
Que te amo outra vez.

Choro de sede
Pela antevisão de teus gemidos.

Choro de fome
Que não sacia meus pruridos.

Choro pela luz
Que de mim brota
E se encontra com a tua
No infinito.

Choro pela escuridão
Que abrigará nossos sentidos.

Choro pela razão
Que pode perturbar esse sono.

Choro pelo passado
Que nos conduziu a estar
Ao alcance de um olhar.

Choro pelo futuro
Pleno de esperança
Mas sempre tão vadio.

Choro por teus olhos
Oceanos não pacíficos.

Choro por tua beleza
Uma nave que passeia
Por galáxias desconhecidas.

Choro de desejo
O que não exige
Maiores explicações.

Choro pela alma
Que se debate em meio
Ao trauma dessa nova era.

Choro de gratidão
Pelo dia em que te conheci.

Choro como um bicho
Fiel ao capricho 
Que tudo permite.

Choro pela quadratura do círculo
Que garante minha insanidade.

Choro pela pedra filosofal
Que dá sentido
Tanto ao bem quanto ao mal.

Choro de vergonha
Desse medo que me assoma.

Choro de inveja
Dos que arriscam sem petiscar.

Choro de saudade
Da vida que sempre
Sonhei em levar.

Choro de pena
Pela vida que
Consigo levar.

Choro de incômodo
Pela covardia
Que tanto atrasa.

Choro de desassombro
Com a coragem
Que vezes me projeta.

Choro pela sabedoria
Dos insensatos.

Choro pela estupidez
Dos sábios da Terra.

Choro pela canção
Que te vai eternizar.

Choro por meu coração
Que há muito não bate,
Só apanha.

Choro pela sorte
Que passa intermitente
E quase me faz feliz.

Choro pelo azar
Do qual nada se diz
Mas está sempre por perto.

Choro pela morte
Escandaloso silêncio
Dos sentidos.

Choro pela eternidade
Tão querida se fosse em teus braços.

Choro pelo traço
Fino dos teus lábios.

Choro pelos contornos
Lógicos do teu corpo.

Choro pelos adornos
Que tanto te embelezam.

Choro pelos braços
Com os quais me sustentarás.

Choro por Deus
Que nos criou.

Choro pelo demônio
Que nos ensinou.

Choro pelo sangue
Que reaprende o
Caminho de volta ao coração.

Choro pelo filme
Pelo qual vou te lembrar.

Choro pela sanção
Gloriosa de quem ama.

Choro pelo romance
Que até hoje reclama
Sua real posição.

Choro como um traste
Condição que permeia
Minha existência.

Choro pelo desastre
Que me rouba a paciência.

Choro pela última ceia
Que toda noite terei contigo.

Choro pelo amigo
Que nunca quiz ser.

Choro pelo amante
Que assim pôde nascer.

Choro pela revolução
Da qual participarei.

Choro pela traição
Pela qual me fiz teu rei.

Choro pela paz
Extrema dos cemitérios.

Choro pelos mistérios
Acima de qualquer suspeita.

Choro pela mão
Que afaga e apedreja.

Choro pelo senão
Que passeará entre nós.

Choro pela foz
Dos rios que escondem
Seus afogados.

Choro pelo sermão
Que não convence os derrotados.

Choro pela vitória
Inglória da ingratidão.

Choro pela escória
Dos que não precisam perdão.

Choro pela glória
Dos que amaram em vão.

Choro pela insensatez
Que me fez assim
Tão descuidado.

Choro pelo enamorado
Sob a lua sempre crescente.

Choro pela história
Que te fez ausente.

Choro pelo som
Que vem das catedrais.

Choro pelo Tom 
Que se foi p’ra nunca mais.

Choro pelo presente
Que não existe.

Choro pelo tormento
Inerente a quem insiste.

Choro pela ausência
De ter o que prantear.

Choro pelo alimento
Que nos manterá despertos.

Choro pelas pendências
Que explicam esse
Tempo incerto.

Choro pelos juízos
Que de nós farão.

Choro de solidão
Em meio ao universo.

Choro pelo verso
Que escreveram por mim.

Choro como um querubim
Vagando pelo céu.

Choro pelo anel
Escrito com nome errado.

Choro pelo enfado
Companheiro velho de guerra.

Choro pela Terra
E seu destino duvidoso.

Choro pelo pecado
Que faremos tão grandioso.

Choro pelo perdão
A um juiz penitente.

Choro pelo pente
Que sempre arranja teus cabelos.

Choro pelos pelos
Que já me faltam
Nos lugares certos
E os que crescem
Nos sítios errados
E com muito zelo.

Choro pelos ministros
De todas as crenças.

Choro pelos templos
Onde Deus sequer passa perto.

Choro pelo incesto
Nascido de mal com o mundo.

Choro pelo vagabundo
Que foi escolhido rei.

Choro pelo pinheiro
Que não cresceu
Da semente que plantei.

Choro pelos dias
Que escondem 
Tão bem suas coxias.

Choro pelas noites
Com seus incessantes açoites.

Choro pelos anjos
Que cabem na ponta 
De uma agulha.

Choro pelo pulha
Que morre encostado
Em barranco.

Choro pelos santos
Expulsos da Igreja.

Choro pela chuva
Que o solo viceja.

Choro pelas águas
Que orvalharão nossas faces.

Choro pelo velho
Habitante em casa nova.

Choro pela cova
Da qual renasceremos.

Choro pelo sol
Para onde iremos.

Choro pelas cruzes
Que executam os justos.

Choro pelos sustos
Que me darás a cada instante.

Choro pelos loucos
Quebrando a lua com pedras.

Choro pelo passante
Que nem sabe que existimos.

Choro pelos sinos
Que por ti dobram sempre.

E se mais motivos houvesse
Choraria pela relva que cresce
Sem ordem nem progresso.

Choraria pelo sucesso
Que jamais aparece.

Afinal, choraria por amar
O sabor acre da lágrima ou, quem sabe, só porque
Gosto muito de chorar.


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