sábado, 9 de março de 2013
De como é possível extrair risos entre lágrimas!
Quando a hecatombe se deu em minha vida em 1982, obviamente coroando um processo que se arrastava desde o fim de 1980, despedi meus quatro filhos e minha ex-mulher em outubro para morar em São Luís com meu sogro (nunca ex porque não tive outro), fui fechando o barraco e, em novembro daquele ano, peguei meu fiatzinho e, acompanhado de dois grandes amigos e advogados de meu escritório, ele e ela, fomos em direção à Fortaleza onde passaríamos alguns dias remontando forças para cada um seguir seu caminho. Apesar do momento angustiante, formávamos um trio tão saboroso que, muitas vezes, a tristeza se transmutava em alegria. Chegando em Fortaleza fomos para a casa da amiga dela e, até 24 de dezembro do mesmo ano, quando fui para São Luís reassumir meu posto, ficamos na maior dolce far niente! Aproveitando a greve da UFC, onde a amiga dela (e que se tornaria a maior amiga que tive em minha vida) era destacada professora, íamos à praia todos os dias, à serra de Guaramiranga passar pequenas temporadas, muito violão e cantorio quase todas as noites. Realmente foi um momento estelar em minha vida pois estava, como os répteis, trocando minha pela pela primeira vez, largando-a em um mundo que nunca mais existiria para mim. Eu era abstêmio e, com exceção de meu amigo advogado que pouco bebia, todos entornavam litros de cerveja diariamente. Hoje me impressiono com minha capacidade de passar noites em claro, tomando água mineral, tocando violão até doerem as pontas dos dedos (na verdade elas resistiam pois já se tinham formado imensos calos). Numa dessas noites, penso que era algo como quinta-feira ocorreu o drama inesperado de acabar a cerveja. Saímos todos em dois carros buscando todos os bares ainda abertos em Fortaleza aquela hora. Mesmo sendo Fortaleza uma cidade turística com uma orla de bares de boêmios, na verdade estávamos em 1982 e no nordeste. Ocorreu o pior dos mundos: não foi encontrada uma única escassa cerveja Antártica, só tinha da Brahma. Hoje, como apreciador do líquido, jamais me interessei em saber a marca sempre fiel ao princípio de que a melhor cerveja é a mais gelada, mas fiquei impressionado com o desespero da turma com o fato. Não dá, Brahma não dá! E tome procurar bares abertos em bairros mais distantes ou casas de forró e otras cositas más. Numa dessas cositas más alguém do nosso grupo identificou Amelinha sentada numa mesa cheia de amigos. Amelinha era casada com José Ramalho e, justamente naquele ano de 1982, se notabilizara cantando a música tema do Especial da Globo intitulado Lampião e Maria Bonita, na verdade uma das primeiras obras globais com padrão internacional. Os desempenhos de Nelson Xavier e Tânia Alves nos papéis título, ainda me pesam gostosamente na retina. Não me lembro do nome da música mas o refrão era cantado do Oiapoque ao Xui, da Bolívia à Ponta do Seixas: Mulher nova, bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor. Amelinha literalmente explodiu a banca, ombreando-se aos reis do nordeste que já vinham aparecendo muito na mídia como Ednardo, Fagner, Elba, Geraldinho Azevêdo, o próprio Zé Ramalho, Alceu Valença alé dos baianos (Moraes, Pepêu, Baby etc.). A verdade é que estive, acho que pela primeira vez, diante de uma celebridade global e fiquei pasmo e parvo. Ela usava aquela toca de crochê e camisolão de hippie que identificava o que eu chamava de péééééssssoal alternativo. Sabe, a tchurma da erva! Amelinha abandonou seu grupo, levou o nosso a um bar que tinha Antártica tipo véu de noiva, foi incensada como a rainha da noite e levada pra nossa casa. Lá, olha eu acompanhando Amelinha, nos poucos momentos que minha amiga advogada de Brasília deixava para ela (já que possuía uma voz linda e potentíssima). Mas era uma satisfação enorme. De repente, a famosa vai falar e todos se calam em volta par ouvir. "Tem cachaça aqui?" A dona da casa diz: Mas claaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaro amíguua (acentuações etílicas que ela dava aos fonemas). E mandou seu filho pegar a garrafa de Ypioca (Marca fundada por seu tio e seu pai, justamente aproveitando os canaviais da Serra de Guaramiranga). O menino foi e logo voltou com uma garrafa cheia mas já aberta e tampada com uma rolha. E todo mundo tocando e cantando em volta pois nessas horas eu puxava algo pra cantorio geral do tipo: Eu fico com a resposta das crianças, é a vida etc! Providenciado o copinho especial pra beber pinga, acessório indispensável em casa de pinguço, uns 20 minutos depois a dona da casa pergunta só pra constar pois a garrafa estava já pelo meio: Amelinha, tá boa a pinga? Ao que ela responde: Tá excelente só que não é Ypioca; tem um sabor especial e com uma ardência que eu nunca vi em cachaça. Pera lá! Só então se notou que o menino trouxera o molho de pimenta da casa. Por isso que se fala, com toda a razão, que aquilo de bêbado não tem dono meeeeeeeeeeeeeesmo. Simples assim!
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