Ah essas
cidades! Horripilantes as imagens da passagem do furacão Sandy por Nova Iorque.
Na verdade parece que estamos a milhões de anos-luz do problema específico e
esquecemos que, todos os anos, enfrentamos perdas materiais e humanas bem mais
severas que as causadas nos Estados Unidos. Evidente que, conforme o estágio de
desenvolvimento de uma nação, tão mais devastadores serão os efeitos de
desastres naturais. O Japão teve sua costa sudeste praticamente destruída por
um Tsunami em 2011, com perdas oficiais de 15.848 mortos e 3.305 desaparecidos.
Apesar do monstro ter tido a intensidade nove na Escala Richter, além de 311
mil pessoas ainda estarem abrigadas em acampamentos provisórios, 24h depois de
baixarem as águas já estava sendo reconstruída uma enorme autoestrada e o país
continua sendo uma das maiores economias do mundo, um ano após o evento. No
Haiti, com uma intensidade de sete pontos, na mesma escala, o terremoto de 2010
matou mais de 200 mil pessoas e paralisou o país até os dias de hoje e sem perspectivas
de melhora à vista. Eu estava no Rio, em janeiro de 1963, quando uma grande
chuva matou 321 pessoas. Desde lá e tirando os picos de Teresópolis,
Petrópolis, lixão de Niterói e Itajaí (SC), morrem no Brasil cerca de 1.000
pessoas por ano, vítimas dessas enchentes que todos sabem que vão acontecer,
com data, hora e locais já marcados. A isso se somam cerca de 200 mortos anuais
pelas intermitentes secas no Nordeste. O pavoroso Sandy matou entre 33 e 48
pessoas em território norte-americano, chegando a 18 vítimas fatais em Nova
Iorque. É uma análise simplista a que utiliza uma só variável para relacionar
as mortes ocasionadas por esses desastres naturais e o estágio de
desenvolvimento econômico dos países atingidos. Existe uma variável para mim
muito mais importante, mas que permanece invisível numa espécie de sombra
intangível e limbo permanente: o fenômeno histórico da criação de cidades e a
crescente urbanização. A humanidade se desenvolveu em árvores e cavernas, ao
redor de famílias e posteriormente clãs e tribos. Isso parece indicar a
existência de traços culturais muito fortes unindo essas pessoas. Em outras
palavras, o ser humano se multiplicou em volta de valores humanitários e
coincidentes. Em suma, as pessoas se conheciam, eram parentes mesmo distantes,
professando os mesmos credos, desenvolvendo os mesmos costumes. Com o início do
fenômeno do sedentarismo, parece óbvio que as hordas nômades passaram a colocar
em risco esse manso destino dos aglomerados humanos. A própria proliferação das
cidades mais antigas obedeceram a três razões fundamentais: a segurança contra
os ataques Nômades; o abastecimento de água (fator fundamental à vida não só
pelo consumo mas através da irrigação) e facilidade das comunicações em um
território sempre hostil. Essas motivações parecem ser comprovadas pela
História, quando se verifica que as primeiras cidades surgiram contíguas aos
grandes rios ou no litoral. Assim ocorreu com os egípcios no vale do Nilo
(Tebas, Memphis e Sais); com os mesopotâmios nos vales do Tigre e do Eufrates
(Nínive, Babilônia, Ur); com os hebreus no vale do Jordão (após ocupar centros urbanos
palestinos como Jericó, Jerusalém e Ai); com os fenícios no atual território
libanês, incluindo o vale do Bekaa (Tiro e Sidom); com ospersal no planalto do
Irã (Antioquia, Pasárgada e Persépolis); com os hindus na planície hindu-gangética
(Bengalore e Melukote, esta a mais antiga cidade habitada do mundo, com cerca
de 25 mil anos de existência o que a leva ao neolítico) e com os chineses, nos
vales do Yang-Tsé-Kiang e do Huan Ho (Luoyag e Xi’an). Esses aglomerados
urbanos permitiram a sobrevivência da raça humana sedentária, protegida por
paliçadas e depois enormes muralhas que as continham em relativamente pequenos
espaços geográficos, fator que diminui sensivelmente os problemas de
alimentação, água, destino dos dejetos humanos e do lixo, comunicações,
mobilidade, segurança interna, destinação dos mortos etc. Com o desenvolvimento
de civilizações mais avançadas como a Greco-romana, os serviços urbanos tiveram
imenso progresso com a criação de estradas de vias públicas, saneamento básico,
distribuição de água potável com a construção de grandes aquedutos, obras de
arte (pontes, viadutos, palácios etc.). A coisa começou a pegar a partir do
termo médio-final do século XVIII, especificamente com o aparecimento da
Primeira Revolução Industrial, pelo surgimento de metrópoles industriais como
Londres, Manchester, Berlim, Paris, Nova Iorque, Chicago, Filadélfia e Pittsburgh.
Esse fenômeno trouxe em seu bojo o êxodo rural, com a mecanização agrícola, e a
criação de imensos “bairros” operários no entorno das grandes cidades. Essas,
chamemos de favelas (do inglês slums), desorganizaram a possibilidade de os
serviços públicos acompanharem o vertiginoso crescimento populacional e as
questões urbanas, desde então, passaram à condição de caos, notadamente em
países ainda não desenvolvidos como Brasil, Índia e China. Nova Iorque está
sendo duramente atingida pelo Sandy, principalmente por possuir tantas
fragilidades decorrentes do fenômeno da urbanização: túneis viários alagados;
trens subterrâneos também inativados pelo excesso de água; caráter salobre
dessas águas “invasoras”, oxidando trilhos, causando curtos circuitos imensos
nas linhas de transmissão de eletricidade e força; paralisação dos transportes
urbanos terrestres; hospitais e escolas também paralisados. Tudo isso seria
muito amenizado se não existisse essa enorme concentração de pessoas em pontos
geográficos não extensos. Entendo que a cidade não foi uma boa solução para a
manutenção do processo civilizatório do ser humano, desde o momento que seu
crescimento passou a ser desenfreado e descontrolado. No Brasil, onde as
cidades são entumecidas com mais de 70% de concentração populacional, os
serviços urbanos são precários e há muito mais problemas que soluções. Moro em
uma cidade de rara beleza, Belém do Pará, convivendo com os mesmos esgotos a
céu aberto do início dos anos 50, inflando sua zona de influência (a Grande
Belém), canais de bosta sangrando já à beira dos bairros de classe média,
energia claudicante, água potável inexistente, nenhum planejamento urbano,
mobilidade já beirando as marginais paulistas, milhares de “habitações” tipo Nova
Delhi, no entorno. Possibilidades ínfimas de mudar esse desiderato nas próximas
décadas. Os países ricos conseguem deter o crescimento da população em volta
dos grandes centros urbanos, via planejamento familiar, dificuldades para
migrações e outras medidas sérias. Assim Belém decerto teria uma incalculável
perda de vidas caso fosse atingida pelo furacão. Enquanto Nova Iorque resistiu
e, decerto, aguentaria não só o Sandy como estaria preparada para o Junior.
Simples assim!
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Bom dia para os partidos políticos
Ah os partidos políticos. Se a
eleição de ontem tivesse ocorrido na Inglaterra, Estados Unidos ou em outro
país europeu, eu teria certeza absoluta de como seriam governadas as
províncias, conforme a filiação partidária dos vitoriosos. Já aqui no Brasil, absolutamente
nenhum cientista político, por mais genial e sábio que seja, poderá fazer esse
prognóstico e isso é fácil de explicar. Parece enfadonho mas a História é a mãe
de tudo. Voltar sempre a ela, por mais incômodo que pareça, para desvendar
mistérios e descortinar verdades. Mais uma vez a primeira menção à expressão
partido (político por se referir à Polis grega ou a cidade que necessita de
poder para ser governada) é feita por Platão em sua República. Lá ele defende o Partido Único como expressão da
realização de uma ideia ligada ao bem comum. Como sempre, seu rebelde aluno
Aristóteles dele divergiu, defendendo o pluripartidarismo. Ele deixa isso claro
quando, na qualidade de preceptor (cargo de professor residente na casa do
aluno, exercido durante cerca de sete anos – de 342 a 336 a.C.), orienta seu
discípulo Alexandre (que seria O Grande ou Magno) a conquistar o mundo para uni-lo
na cultura Pan-helênica, mas sempre ouvindo os opositores e contrários, importantes
críticos para que seu governo trouxesse a felicidade para todos. A expressa
menção a partidos já na modernidade ocorre na Inglaterra do Século XVIII, ao
tempo da Primeira Revolução Industrial. Essa concepção jurídica, sociológica e,
mais que tudo, política, entende os partidos como sendo entes civis privados,
resultantes da união voluntária de cidadãos com afinidades ideológicas e
políticas, organizados e com disciplina (burocracia, portanto), visando a disputa
do poder político. A essas características, mais tarde, Weber adicionaria o
fato de partidos serem expressões políticas de alguma oligarquia econômica ou
tradicional. Na prática, os primeiros partidos ingleses foram organizados em
torno de ideias conservadoras (Tories)
e liberais (Whigs) aos quais se veio
juntar o Partido Trabalhista (Labours),
de orientação de centro-esquerda. Aliás, essas denominações surgiram na época
da Revolução Francesa (1789), com a queda da monarquia e criação da Assembleia
Nacional. Os Girondinos,
representantes da alta burguesia, sentavam-se à direita da tribuna presidencial
e defendiam ideais conservadores; já os Jacobinos
sentavam-se à esquerda e expressavam o ideário da baixa burguesia e das camadas
populares. O Partido Republicano (Coderliers)
ocupava a extrema esquerda do plenário, por ter ideais mais revolucionários.
Finalmente, o La Plaine congregava os
membros pendulários (como o PMDB de hoje) e que apoiavam os outros partidos
conforme seus interesses daí sentarem-se no centro do plenário. Da mesma forma,
os Republicanos da América defendem o extremado liberalismo de mercado e a
livre iniciativa levada ao paroxismo enquanto os Democratas idealizaram o Welfare State, defendendo a intervenção
governamental como auxiliar da iniciativa privada, nos setores onde não viceja
o lucro fácil ou os investimentos são de altíssima monta. No Brasil, na era
pós-Vargas, os ideais eram divididos em três grandes partidos: a UDN,
representante das elites cosmopolitas e rurais, de orientação de direita; o
PTB, como suporte do crescente trabalhismo e sindicalismo , de esquerda,
portanto e, finalmente, o PSD, partido de centro namorador da esquerda. Não
menciono os partidos extremistas (de direita ou esquerda), considerando o fato
de que nunca conseguiram expressiva participação no poder. Após o
bipartidarismo de fachada, criado à época da tirania militar, veio a abertura
política e proliferaram grandes e pequenos partidos, notadamente surgidos após
a Assembleia Nacional Constituinte que gerou a Carta de 1988. Parecia um
terreno afinal fértil para que os partidos representassem ideologias e não se
transformassem em meras siglas que abrigam interesses de setores da economia. O
surgimento do PSDB, como base para as ideias neoliberais e privatizantes tão em
voga àquela época, via Consenso de Washington; o “prosseguimento” do PMDB como
sigla que abrigara todos os ideais antiditadura; a confirmação da direita sob o
manto do Frentão, mais tarde PFL e hoje o anêmico DEM e, como esperança de um
novo amanhã, o PT histórico. Me parece ainda claro que o PTB de Vargas, cujo
herdeiro natural seria Brizolla, poderia despontar como divisor de águas no
papel de unir as esquerdas, historicamente sempre mais separadas por ódios dogmáticos
do que ojeriza que têm à direita que tanto combatia (basta ver as dissensões
entre PCB, PCdoB, Polop, MR-8, Val-Palmares e AP). Mas o golpe idealizado para
colocar Ivete Vargas no comando do Partido, para mim, inviabilizou a política
brasileira até a chegada de uma reforma político-partidária eficaz. Restou o
PT, cavaleiro de todas as esperanças, na verdade o ÚNICO partido político
brasileiro concebido com uma ideologia reconhecível e bem clara, regras bem
definidas, lideranças, ,manifesto e Estatutos, organização perfeita, apoio do
sindicalismo através da criação da CUT, milhões
de militantes, além de quadros nacionais capazes de assumir o poder pela via
democrática. Confesso que sonhei Lula, por anos, como a panaceia de todos os
nossos males. Mesmo com as batalhas engendradas pela Rede Globo para derrotar e
depois afastar Brizolla e Lula; mesmo com a criação de títeres como Collor e “neo-esquerdistas”
como Sarney; mesmo ainda com a traição dos ideais revolucionários por “revolucionários”
como FHC, Serra, Covas, Montoro e outros, ainda assim, quem estuda Ciência
Política tinha em Lula o mais próximo candidato a salvador da Pátria desde
Vargas. Seu discurso antitudo (Fora FHC! Abaixo a ditadura! Não à privataria!
Que venham as CPIs! Vamos mudar o Brasil! Por uma sociedade mais justa,
democrática, solidária, ética, sustentável e igualitária!) era mais gostoso que
creme de açaí. Quando Lula assumiu ao poder, todos os estudiosos sabiam o que
exatamente iria ser feito. Aí ele põe um representante da Banca Internacional
no comando do Banco Central, prossegue a política econômico-financeira tucana e
a coisa desandou. Confesso que jamais me senti tão traído em minha vida; tão
enganado, iludido, estupefato e com um enorme gosto e travo de idiota na boca.
Aí as “esquerdas” desmoronaram junto e se aprofundou a caracterização dos
partidos políticos brasileiros como defensores de oligarquias (banqueiros,
latifundiários, evangélicos, tecnocratas, Igreja, imprensa etc.) de um lado e,
do outro, os chamados movimentos sociais, as bilionárias ONGs e OCIPs, os
verdes, os da esquerda oportunista, além dos ortodoxos e fundamentalistas e,
por último mas não menos importante, os nanicos de aluguel que formam o baixo
clero do Congresso, justamente os maiores beneficiários de todos os mensalões
desde o Governo Collor. Na verdade não existe no mundo mente prodigiosa que
seja capaz de prever o que farão os eleitos de ontem, pois não existem nortes
para nos guiar. Todos seguirão a rota do oportunismo, sem qualquer respeito às
instituições partidárias. Se você, eventual leitor, pensa ser possível traçar
esses caminhos, certamente vai terminar sentado à beira do caminho, com a
bandeira do PSOL na mão, levando pedradas dos militantes do PSTU, sendo
enxovalhado pelos Bispos do PR e pelas camarilhas do PPS, PCdoB e PRTB, vendo
passarem as caravanas dos apaniguados do capital, como PSDB, DEM, PT, PTB, PDT,
PP malufiano, PV do Sarney Filho e os “socialistas” do PSB. Mais fácil seria
compor um novo “Samba do Crioulo Doido” (se é jovem, veja a letra no Google) e
tentar explica-lo para os pobres Yanomamis do diamante ou a turma de
pseudo-índios, neo-proprietários de Roraima, do Raposa Serra do Sol. Na linha
do Macaco Simão, no fundo, no fundo, eu devia é pingar meu colírio alucinógeno e
fundar um novo Partido, o PUTA (Partido Unificado dos Trabalhadores Associados).
Simples assim!
sábado, 27 de outubro de 2012
Bom dia para as crônicas e os cronistas
Ah as crônicas. Tenho um sobrinho
de enorme inteligência que me telefonou ontem para dizer, em suma, que gostava
de ler meus artigos, mas achava que eles deveriam se referir mais a críticas
sociais dos assuntos atuais, aqueles que estão movendo a opinião pública
brasileira aqui e agora. Logo, parecia um pouco enfastiado diante de crônicas
sobre assuntos gerais, muitas vezes sem ressonância na mídia. Poderia ter
explicado a ele algumas razões sobre o porquê de meus escritos versarem sobre
matérias tão discrepantes, umas do cotidiano imediato e outras metafísicas e
psicológicas. Acho que talvez ele não tenha percebido que essa resposta cabe
numa crônica inteira, como esta, nem a Caixa de Pandora e vespeiro o qual ele,
na verdade, balançou o galho. Essa dicotomia é muito antiga, referindo-se à
própria índole do pensamento. Aristóteles e seus seguidores e pósteros criaram
a teoria de que as ideias eram produto da percepção humana da realidade que os
circunda. Nada é verdadeiro se não passar pelo crivo dos sentidos. Isso veio a
desembocar em uma linha filosófica que vige até nossos dias e foi muito bem
explorada pelo pensamento anglo-saxão: pragmatismo e utilitarismo. Em outras
palavras, tudo só é válido se for bom e útil para muitos, nem precisa ser para
todos. Francis Bacon idealizou o método científico indutivo para uso no
Empirismo, o reino da checagem e verificação. Pensadores modernos como Smith,
Ricardo, Malthus, Hume, Mill, Bentham , além de filósofos políticos como Locke;
filósofos contemporâneos, como John Dewey, anexaram esse paradigma ao próprio
sistema educacional norte-americano e, como eles dominam o mundo em termos
culturais, espraiaram essa ideia de que é bom o que se percebe e logo; a universidade
existe para preparar membros para atuar no mercado; a crônica é interessante
desde que seja sobre algo palpável e pulsante que está se derramando no dia-a-dia.
Por outro lado, o professor de Aristóteles, Platão, defendia que nossas ideias
e nosso comportamento, são resultantes de nossa mente racional, não uma mera tabula rasa onde se impregnavam as
sensações do real, mas um HD já formatado com experiências que passavam de
geração a geração, formando um arcabouço de cultura original da qual partiam
nossas contribuições para a evolução da compreensão e leitura do mundo que nos
envolve. Como não há espaço aqui, sugiro que meus eventuais e raros leitores,
leiam o episódio do Mito da Caverna, narrado no Livro VII, d’A República. Esse
genial mestre criou também uma linha de pensamento, pai da estrutura da
educação moderna e contemporânea, tendo por rito de passagem Rene Descartes,
com o método científico dedutivo e a ciência racional, não empírica,
desembocando em Kant, no idealismo do Pensamento alemão (Fichte, Schelling e
Hegel), que se divide em Esquerda (Marx e Engels) e Direita (Feuerbach e Weber)
para desembocar nas ideologias práticas de Lenine e Trotski. Pois muito bem,
nessa linha, por exemplo, as Universidades se criam para gerar conhecimento
(filosófico, religioso, ideológico ou científico). Parece ter ficado clara a
separação, até os dias atuais e seguindo em direção ao futuro, entre uma linha
e outra. Apaixonado pela escrita, desde muito cedo, tomei um partido,
necessariamente ideológico, pela esquerda, o que me levava, inexoravelmente,
para o Idealismo e estudo primordial dos cronistas das ideias e não dos fatos.
Quando eu tinha sete anos, me encantava ler as crônicas de Henrique Pongetti,
Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, na Revista “Manchete” (ou seria no “O
Cruzeiro”? Quem lembrar me corrija), além de Rachel de Queiroz, Carlinhos de
Oliveira, Sérgio Porto, Carlos Heitor Cony etc, que, justamente pelo caráter intermitente das
publicações, mais se voltavam para as ideias do que para os fatos. Mas também lia, na “Folha do
Norte”, na “Província do Pará”, na “Folha Vespertina”, no “O Liberal” (pois “O Imparcial”
e o “Flash” eram tabloides sanguinolentos), crônicas geniais de fatos, escritas
por Paulo Maranhão, Edgard e Edyr Proença, Paes Loureiro, Eneida, Ruy Barata,
Waldemar Henrique e outros, além das nacionais escritas por Nelson Rodrigues (“A
vida como ela é” e “À sombra das chuteiras imortais”). Depois fui para os
cronistas do cotidiano e das ideias, do século XIX e alvores do século XX, que
escreviam em jornais e grandes obras literárias (Machado de Assis, José de
Alencar, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e outros menos
votados). Dá para perceber em que caldo cultural fui me lambuzar, até chegar
aos dias de hoje. Sou permanentemente tentado a comentar os fatos bombásticos
do cotidiano, até como corolário da rapidez com a qual se dissemina a
informação; escrever sobre o hoje, o fato, a notícia e a versão. Contudo, meu
genial sobrinho, não me encanta só o prazer de ser lido, daí escrever muito
mais assuntos que transcendem os fantásticos e velozes acontecimentos do
cotidiano e veja que, de vez em quando, estou fazendo o que você me recomenda.
Me perdoe, ao vivo e a cores, mas sou tragado, sem piedade, a me manifestar
sobre a profundidade das ideias, quase sempre, mesmo que pregue para um mundo
voraz pelo econômico, fácil e rápido, o que me dá a permanente sensação de
estar falando para as areias do deserto. Contudo, se consegui me imiscuir em
meio aos pensamentos de um cara genial, como você, tudo já terá valido a pena,
Luiz Cláudio Nunes. Simples assim!
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
Bom dia para as leis brasileiras
Ah como existem leis no Brasil!
Desde a Constituição republicana de 1891, entre Decretos, Decretos-lei (nas
eras Vargas e Redentora), Leis
Ordinárias, Complementares e Delegadas,
existe a bagatela de 199.215 dispositivos federais editadas no país. Isto dá em torno de
1.521 normas legais editadas POR ANO. Há explicações para isto. Como um país de
colonização neolatina (e Ibérica), o Brasil prioriza a lei escrita como a fonte
mais importante do Direito Positivo (ou o direito escrito de uma nação). Existem
outras fontes utilizáveis como a jurisprudência (a voz dos tribunais), a
doutrina (análises dos tratadistas do direito) e o costume (meio de
cristalização de comportamentos sociais). Em países anglo-saxões, por exemplo,
o costume é a principal fonte de formação do direito. Nos Estados Unidos, a
base é consuetudinária e o “Roll of Precedents” é supervalorizado na aplicação
do direito e resolução de conflitos. Contudo, pela tradição latina, a lei é
tida como fonte primordial do direito. Escrever tudo, exaustivamente, e inserir
numa regra geral foi a solução encontrada pelos Romanos nas codificações do Corpus Juris Civilis (direitos e deveres
dos cidadãos na órbita da vida privada) e a Res
Publica ou Coisa Pública (relativa aos direitos e deveres não cobertos no
código anterior). O próprio Código de Napoleão tornou-se um tiro de passagem na
codificação das regras jurídicas na história do mundo. Isso tudo influenciou o
tratamento do direito na maior colônia portuguesa: Obrigações Manoelinas e
Filipinas, Código Comercial do Império, Código Civil de 1916 (modificado em
2002), Código Penal de 1940 e, para ficar-se nos mais importantes, o Código
Trabalhista (CLT), de 1942. A verdade é NÃO É humanamente possível exigir dos
profissionais das Ciências Jurídicas, no país, o conhecimento pleno de todo o
arcabouço legal brasileiro até porque, quando não expressamente revogadas pela
legislação mais nova, as leis podem ser derrogadas (por existirem regras mais
novas e conflitantes) ou abrrogadas (revogadas pelo desuso e transcurso do
tempo). Mas não há como negar que ventenas de leis e atos normativos de menor
monta na pirâmide de fundamentação e derivação do ordenamento jurídico pátrio,
são vomitados a todo tempo. Outro problema grave é a impossibilidade da lei em
acompanhar a desenfreada evolução da ciência, da tecnologia e dos conflitos sociais
derivados. Quando um comportamento se torna obsoleto, a lei que o regulava
entra em colapso; o mesmo ocorre com as relações econômicas,. Financeiras,
comerciais, trabalhistas, sociais e culturais envolvidas. Onde a coisa mais
pega é no campo dos ilícitos, civis ou penais. Enquadrar um comportamento como
punível, quer na área patrimonial como no âmbito das liberdades individuais, é
um desafio constante aos legisladores. O que ontem era crime (como o adultério)
hoje não é mais e o que no passado sequer fazia parte do Direito Positivo (como
a tutela dos interesses difusos ou os crimes pela Internet) hoje fazem parte
fundamental do arcabouço jurídico do país. No entanto, o que de mais grave
existe, é a formação do paradigma sócio-cultural sobre certos aspectos do
direito. Ouço diuturnamente a absurda afirmativa de que existe impunidade
porque não existem leis mais duras. Mesmo que o Brasil não milite no rol das
nações mais sérias do planeta, no que concerne à aplicação das leis, bem
verdade é que elas são entes estáticos e abstratos, isto é, em princípio, só
operante quando estimuladas a tal, movidas pelos interesses complexos que
explodem no contexto social. A simples existência da legislação não incentiva
nem inibe qualquer comportamento. Ao contrário, leis escritas são o maior
instrumento de contestação social que existe. Melhor explicando: o Código Penal
prevê que se alguém matar a outrem, responderá por uma pena mínima de 12 e uma
máxima de trinta anos, considerando-se fatores atenuantes ou agravantes. Note
que o Código não edita um artigo dizendo “É proibido matar!”, até porque os
homicídios continuariam mesmo diante de uma regra como essa. Mesmo conhecendo o
ilícito e a pena, milhares de pessoas continuam a praticar homicídios diários
ao redor do mundo. Qualquer diploma legal
edita normas do tipo “é expressamente proibido isto ou aquilo” e, logo
abaixo, nos parágrafos, manda o paradoxo: excetuam-se das proibições acima os
casos tais...”. Porra! Se é para proibir por que admitir exceções? Durante o
período da Lei Seca, nos Estados Unidos, nunca se bebeu tanto naquele país. Por
ser o instrumento de maior contestação social que existe, a lei sofre essa
incongruência: muita gente começou a beber só de curiosidade para ver o que
tinha o álcool de tão especial a ponto de ser proibido. Toda a proibição, no
contexto social, gera comportamentos irracionais e contestatórios. Lá mesmo, na
América, as estatísticas demonstram que os estados federados que adotam a pena
de morte, nunca tiveram seus índices de criminalidade afetados para menos, pela
adoção desse castigo. No Brasil existem as leis que “não pegam”. Nossos
legisladores poderiam arrebentar a boca do balão nesse campo, criando punições
como a pena de morte ou de prisão perpétua sem condicional, e certamente não
conseguiriam mudar o fato de que pobres, negros e excluídos continuariam a ser
os destacados campeões na aplicação dessas penas. Na verdade o problema não se
resolve só pela criação de leis duras mas por uma melhor distribuição de renda
(não essa panaceia do Bolsa Família que incentiva mulheres a parirem mais e
mais sem qualquer condição para criar e educar esses filhos), mais e melhor
educação e saúde públicas, melhor aparato de segurança institucional e geração
de cultura de ética no trato da coisa pública. Consertar o país com leis
moderníssimas mas dinamizadas por instituições falidas e carcomidas pela base é
a maior Missão Impossível. Valério já levou mais de quarenta anos dos quais
cumprirá menos de sete. Isto é alimentar a impunidade para a bandalheira. Tudo,
no final, se resume a na boa e velha vergonha na cara, fato absolutamente
inexistente nos substratos culturais do país. Nossos princípios filosóficos na
aplicação da pena, onde viceja a reabilitação do apenado como finalidade
precípua, nasce no modelo francês do qual nos situamos a anos-luz de distância
em termos culturais. Castigar nas nossas masmorras é o mesmo que ensinar a
delinquir. Pode mudar o SAM para Funabem, e esta para Febem até a atual Fundação Casa,
que tudo continuará como dantes: crimes velhos para nomes pomposos. Simples
assim!
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Bom dia para Karl Marx
Ah o Marxismo! Há cerca de 14 anos tive o privilégio de assistir a
uma palestra de meu mais forte guru em questões de ética: o pensador, sociólogo
e filósofo Edgar Morin, judeu francês com noventa e um anos de idade. O que me
chamou mais a atenção foi uma pergunta feita por um empafioso professor de
Sociologia, doutorando da mesma UnB, indagando (em francês melodioso) se ao
defender determinada opinião, Morin tinha sido sincero ou cínico. Estupefato, o
velho mestre respondeu, em primeiro lugar, que estava fazendo a palestra em
espanhol e não entendia por que o ouvinte fizera a pergunta em francês e
disparou-lhe a primeira indagação: seria isso para demonstrar uma desnecessária
erudição perante a plateia? E mandou a segunda: Em qual de seus livros o
ouvinte tinha lido aquela opinião? O já meio atarantado professor informou-lhe que
lera o assunto num livro em que um terceiro analista afirmava que Morin assim
pensava. O atônito filósofo então deixou bem claro: Eu nunca falei isso! E
concluiu, mesmo não sendo cristão mas parafraseando Jesus: Acautelai-vos contra
os que tomam seu nome e suas ideias em vão! Esse case vem a calhar na vida de Karl Marx. Ninguém, ao longo da
História, foi mais criticado, analisado e esmiuçado SEM SER LIDO!?!? Muito
poucos que falam ou falaram de Marx terão lido os quatro volumes de “O Capital”
(o quarto foi póstumo e escrito por Engels) ou mesmo o relativamente pequeno
“Manifesto do Partido Comunista”. Quanto mais obras menos famosas, que li (umas
com prazer outras com dificuldade), como “Crítica da Filosofia do Direito de
Hegel”, “Sobre a questão judaica”, “A Sagrada Família” e “Sobre o suicídio”. Mas já vi muitos pousarem de especialistas nas
ideias do filósofo alemão. Tive o cuidado de ler a obra de Marx, com espírito
aberto mas crítico, até perceber que esse homem, na verdade, é um dos
pensadores mais geniais, holísticos e injustiçados da História. Muito
colaborou, para isto, a apropriação indébita das ideias marxistas por ditaduras
sanguinárias como as de Stalin na antiga URSS, Fidel em Cuba, Mao na China e
outros países sob suas influências no sudeste asiático, leste europeu e parte
da África recém libertada, dede o final dos anos cinquenta. Para isso
contribuiu, substancialmente, o fato das ideias marxistas, escritas para
vicejar nos riquíssimos solos alemão e inglês, países credores da vanguarda em
todas as criações do pensamento moderno (na arte, na ciência, na tecnologia, na
economia, na sociologia etc.) e que convulsionaram o mundo a partir do século
XVIII, começou por vingar em solo muito mais arenoso. Certamente por azar ou
infelicidade do destino, Marx terminou por incentivar uma grande revolução em
um gigantesco (mas pouco habitado) país com metade de seu território congelado
grande parte do ano e ainda mergulhado no Feudalismo. Na verdade as Rússias dos
Tzares, ainda nem haviam iniciado a colheita do Iluminismo e sequer passaram
pela aventura capitalista pós Revolução Industrial. Ora, uma nação com 90% de
sua população formada por analfabetos, mergulhada num absolutismo anacrônico
(onde nem a Revolução Francesa sequer ecoara), quase sem comunicação com a
parte mais culta da Europa, não era propriamente o local idealizado pelo Mestre
para dar viço a ideias tão avançadas quanto, por exemplo, a ditadura do
proletariado. Lenine certamente percebeu a impossibilidade material de
transferência do poder para uma massa despreparada, nos campos e cidades,
optando por criar uma plutocracia com a cúpula do Partido Único fato que,
infelizmente, manteve-se intocada até a derrocada da URSS em 1991 e a queda dos
seus regimes satélites em cascata. Mao tinha feito o mesmo na China e a ideia
central de transferência do poder para uma estrutura social, econômica e
política diferente (para mim o grande ideal comunista e cerne da Revolução),
ficou no terreno da utopia. Essa era a seta que Marx sempre buscou cravar no
coração do capitalismo desvairado, na verdade o mais desumano sistema de
governo e vida jamais criado e que persiste e parece ubíquo por mais mil anos,
notadamente pelo fim de sua dicotomia prática. Marx não era um sonhador e, do
meio fértil de suas ideias, ainda persiste a possibilidade de que os esfomeados
e excluídos da Terra (componentes de 2/3 dos habitantes do planeta), venham a
tomar o poder através de uma revolução armada e sangrenta (do estilo haitiano
ou norte-americano mais puro), movidos no meio dos grandes aglomerados urbanos,
ainda que lhes falte um substrato político. Hirto de ira quando o acusavam de
embalar um sonho, até confundindo-o com os socialistas utópicos como Saint-Simon,
Orwell, Blanc, Fourier, Proudhom e outros menos votados, vociferava Marx, com a
indignação dos justos, que a ele não cabia entender ou explicar o mundo, mas
MODIFICÁ-LO! E ninguém jamais deu tanta munição aos trabalhadores em estado de
escravidão disfarçada em que ainda vivem, do que o filósofo alemão. A questão
da sociedade não estratificada realmente só poderia ocorrer num Estado
Comunista Internacional com Liberdade Organizada, como expressamente previu. A
coletivização dos meios de produção, na verdade, constituir-se-ia no maior
evento no caminho de uma sociedade solidária, humana e igualitária. O fim da
mais-valia (penalidade que atinge os trabalhadores quando excedem a produção de
bens para seu sustento e passam a fazê-lo para o mercado criando, por esforço
pessoal, um valor econômico excedente e expropriado pelo capitalista, chamado
lucro) permitiria a produção de bens (para o consumo necessário da humanidade)
e não mercadorias (excedentes consumidos por impulso ou para a geração do já
mencionado lucro, além de status). A
própria ditadura do proletariado, exercida pelo Partido Único, comunista, pelo
menos afastaria do centro do poder os que utilizam riquezas pessoais para
ascender ao mando político. Até a previsão de que o capitalismo terminaria por
ser dizimado por suas próprias mazelas, numa autofagia inafastável e como
corolário da desenfreada concentração de riquezas, fato que faz o mundo, cada
vez mais, “pertencer” a cada vez menos, parece inexorável nos dias de hoje.
Aonde a coisa pega mais, para mim, é no determinismo histórico. Explico! Ou
melhor, tento explicar. A dialética (originalmente desenvolvida por Zenão de
Eléia e depois aperfeiçoada pelo panteísta Hegel) vem a ser o caminho que tomam
as ideias até se corporificarem em fatos, ou seja, do pensamento (sua gênese)
até a ação (sua manifestação real). Penso: vou mover o braço (tese); reflito:
Para quê? (antítese). Resultado: Para pegar meu lápis! (síntese da ação
engendrada). Esse magistral arcabouço filosófico, adaptado à função pragmática
da História, resultaria na eclosão do já mencionado Estado Comunista, como
desiderato inevitável, fruto da evolução e do que Marx e Engels chamaram de
construção do SOCIALISMO CIENTÍFICO. Aí me parece falhar o Marxismo. Talvez não
em substrato mas certamente em forma. Ao assumir a infalibilidade dessa crença, o Marxismo
abandona o método científico, que admite a refutação, para afundar na
ideologia, posição que não aceita a contradita, como verdade estática. Penso
que se os pesquisadores do Marxismo, ou o próprio Marx, tivessem previsto uma
brecha para acatar a dinâmica da crítica e a possibilidade de evolução da
ideia, certamente já não estaríamos vivendo sob a égide de um sistema tão
injusto como o capitalismo (assim mesmo, com C minúsculo). Nos fins de tarde e
ocaso da vida, quase sempre sou tentado a pensar: quem sabe o milênio de paz
com Cristo, o terceiro milênio místico da era de Aquário e tantas filosofias
religiosas e morais assemelhadas, não sejam, no fundo, um Comunismo de
sentimentos, ética, riquezas e pobrezas? Tirando os pensadores cínicos,
absurdos, melosos e sonhadores, Marx é o único que muito de aproxima de uma
realidade plausível, uma esperança para um amanhã melhor. Por final, parece
certo que Marx sempre é julgado por excertos, pensamentos soltos do tipo “A
religião é o ópio do povo” ou “Não é a consciência do
homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe
determina a consciência” ou ainda ”O caminho do inferno está pavimentado de
boas intenções”. Me confesso um Comunista puro, pelo simples fato de Marx ser o
único pensador que mais se aproxima dos Evangelhos de Jesus Cristo. Ninguém, na
verdade, idealizou um mundo tão justo quanto esses dois. Simples assim!
quarta-feira, 24 de outubro de 2012
Bom dia para os tiros no pé.
Ah os grandes tiros no pé. Na
verdade ninguém escapa, ao longo do tempo de uma vida, de dar inúmeros tiros no
próprio pé. É uma verdadeira instituição e não só atinge o Brasil e os
brasileiros. Estamos terminando de assistir a um dos maiores eventos de tiros
no pé de nossa história, recente ou remota. O Mensalão, neologismo perenemente
incorporado ao nosso idioma e certamente consagrado na próxima edição de todos
os dicionários, é um disparo de bazuca bem no meio do que popularmente
conhecemos como “peito do pé”. Em todos os parlamentos sérios de países que
adotaram a moderna democracia, viceja o princípio da inviolabilidade dos
mandatos, pelas opiniões e decisões dos parlamentares, livres que ficam, no
exercício de seu metier, para expressar-se e opinar sem que tal se configure
delito penalmente punível. Já no Senado romano, ainda que sob o Poder do
Imperador, os senadores (como
instituição herdada da República) eram, de certa forma, protegidos de punição
por suas opiniões, sendo fato histórico que todos os Imperadores que usaram o
comando para a prática de diatribes de toda a ordem, como Nero e Calígula, caíram
em desgraça quando pisaram no calo do Senado que teve o apoio do exército para
se ver livre deles. A própria Carta Magna de 1215, no reinado de João Sem
Terra, irmão mais novo de Ricardo Coração-de-Leão, na Grã-Bretanha, já previa
controle dos atos do Monarca, em casos de criação de novas despesas públicas e
proteção aos Barões, Conselheiros do Reino, acerca de sua manifestações e
controles. No Brasil, em que pese o absolutismo imanente a nosso primeiro
Imperador, ainda assim, por pressão das elites, ele criou um Poder Moderador e
o viu crescer a ponto de pegar o chapéu e voltar pra colocar a Coroa de
Portugal, deixando um garoto pra nos comandar. Na própria Primeira República,
os militares praticavam uma ditadura disfarçada, sob certo controle do Senado e
depois da Câmara. Com tantos balanços e idas e vindas, pareceu claro aos
constitucionalistas pós período Vargas, a necessidade de livrar os
parlamentares da submissão aos delitos de opinião. Durante a ditadura, com seus
simulacros constitucionais de 1967 e 1969, os Senadores e Deputados passaram a
exercer uma espécie de pacto de esperteza política: vocês mandam em tudo mas
deixam para nós um território livre para nossas práticas criminosas. Exatamente
aí surgiu o malfadado instituto do foro privilegiado que foi sendo alargado,
como o escancaro que certas religiões fazem dos portais do Paraíso, até
proteger e acobertar os parlamentares na prática de delitos de toda a ordem.
Bate a carteira do vizinho? Foro privilegiado! Enfia o pé na jaca com a garota
de 10 anos vinda do interior e que mora na sua casa como mucama? Foro
privilegiado! Punga o país em verbas públicas? Foro privilegiado! Cria, põe em
funcionamento e opera o maior esquema flagrado de desvio de dessas verbas para
a compra do apoio parlamentar e formar uma sólida base aliada? Foro
privilegiado! E aí é que a coisa pegou. Ao perceberem que seriam julgados pelo
Supremo Tribunal Federal, em caráter final e irrecorrível, que abre suas sessões
para todas as mídias, inclusive descarnando debates como o que presenciamos, é
que todos perceberam o rombo nos próprios pés. Foi um corre-corre de longos
meses com pedidos de separação de réus para serem julgados em instâncias
inferiores onde, pelos menos eles creem, seria mais fácil descer uma cortina de
impunidade, comprar juízos singulares ou mesmo tentar adquirir as benesses da
peita, do suborno ou da influência, em Tribunais de competência inferior. O
desespero para desmembrar o Processo certamente não foi acompanhado pelos
leigos e, no fundo, quando a nossa Suprema Corte decidiu mostrar ao povo
brasileiro que, NESTE PAÍS, existe efetiva separação de poderes, aí já era
muito tarde e o pé fora amputado por ser atingido por gangrena gasosa,
provocada pelos tiros de escopeta 12 mm com cano duplo e serrado. Quanto
desespero e ranger de dentes; quanto arrependimento. “Eu não sou mais
parlamentar, agora tenho o DIREITO de NÃO TER mais foro privilegiado”. Esse foi
o brado retumbante da caterva mafiosa. Felizmente esqueceram que existe um
princípio universal de direito que afirma “A ninguém é dado alegar em Juízo a
própria torpeza”. Algo do tipo demandar perante um tribunal para cobrar o
dinheiro do pagamento não feito, proveniente da venda de uma partida de
cocaína, da colombiana pura! Sempre terá o dia em que a casa cai, tudo
desmorona. No mundo do crime, seja pecadilho ou pecadão, eles se dão bem, se
dão bem, se dão bem até que a polícia entra na casa gritando: “Perdeu,
malandro, perdeu!” Tivesse o princípio do foro privilegiado sido usado, desde o
início, para os fins reais para os quais foi criado, e decerto não teríamos
assistido a provável máscara de espanto desses bandidos travestidos em
salvadores da pátria e palmatórias do mundo, acordando no meio da noite, cutucando
as costelas das esposas (ou maridos), suados até os ossos, trêmulos, olhos
esbugalhados e berrando: “Fulana(o), chame, chame, chame...o ladrão, chame o
ladrão!”. Che Guevara deve tá rodando mais que ventilador de teto, dentro de
seu caixão fechado com martelo......e foice! Simples assim!
sábado, 20 de outubro de 2012
Bom dia para Avenida Brasil
Ah essa Avenida Brasil. Arnaldo
Jabor fulminou todo o mistério e encantamento que envolve a novela Avenida
Brasil: pela primeira vez a Globo disparou na ficção e acertou a realidade,
além do que, mesmo utilizando os estereótipos de sempre do dinheiro
transbordante e pitadas de realismo fantástico, desta vez deslocou o core
business da trama para um Brasil mais reconhecível pelo brasileiro comum, corporificado
na Zona Norte do Rio. Desta feita, Ipanema foi flash e Madureira o alvo. Há
diversos aspectos a examinar na trama: sociológicos, antropológicos,
psicológicos, estéticos e de interesses específicos da própria Globo. Há muito
venho batendo duro na Emissora por estar criando um Brasil hollywoodiano, que
não atinge o âmago do ribeirinho do norte, o sofredor do Nordeste, o
pantaneiro, os milhões que se acotovelam nas fraldas dessa gigantesca montanha
que são as megalópoles brasileiras, até mesmo os interioranos da parte belga de
nossa Belíndia. Parece que a Globo vem percebendo que pode criar necessidades,
hábitos inusitados e investir na satisfação disso, ganhando muito dinheiro.
Esse sempre foi o alvo da TV brasileira, onde a Globo continua se sobressaindo
há milhões de anos-luz das demais, em que pese a ascensão incontestável da
Record, acompanhando o boom do Evangelho eufórico e de ganhos, do toma lá dá cá
com Deus. A Band satisfaz da “velha” classe média para cima, na escala sócio-econômica
(CQC, Pânico, esporte de qualidade) e o SBT segura firme a rebarba e as sobras
da mãe, capitaneado por um genial gigolô, Sílvio Santos, e suas crias como
Ratinho e Celso Portiolli. Mas nenhuma consegue empaturrar o brasileiro “normal”
com cupcakes, brownies, donnuts, halloweens e cheerleaders, sem falar na
apologia aberta do homossexualismo e a glorificação de toda a forma de
necessidade especial. Parece que o mundo sente culpa em relação a todas essas
minorias e a Globo assumiu o caráter de flagelo de Deus e ai de quem se
incomoda com as manchetes de Jornal Nacional sobre a adoção de uma criancinha
por um casal gay em Caxa Prego, no interior da Bahia. Voltando à vaca fria, o
telespectador global conseguiu cruzar o túnel novo sem sentir nostalgia do
Brasil. Sim, é ali em São Cristóvão, Del Castilho, Madureira, Meyer, Parada de
Lucas, Quintino, Bento Ribeiro, Mal. Deodoro, Bangu e Campo Grande que pulsa o
verdadeiro coração brasileiro e lá foi a Globo beber esse sentimento, pela primeira
vez. Nossos heróis e vilões não mais vicejam na Av. Paulista nem na Barra, a
coisa pulsa é no Divino mesmo. Quando eu comecei a ver novelas, ainda na Tupi,
teve uma emblemática, Betto Rockefeller, a qual guardou para si a importância
de “Véu de Noiva” para o moderno teatro brasileiro: saiu da linguagem cubano-mexicana
de Gloria Magadan e mostrou o malandro paulista em sua essência, verdadeiro
demônio da garoa. Veio a evolução até que apareceu um novo elo achado: Dacin’Days.
E a classe média alta se viu na telinha com toda a pompa e circunstância.
Saramandaia foi o surgimento, pela genialidade de Dias Gomes e a estupidez da censura
oficial, do realismo fantástico na mesa do nosso povo, ao melhor estilo Garcia
Marques e Vargas Llosa (mesmo sendo um de esquerda e o outro de direita a
mostrar que, em arte, a política só atrapalha). Uma grande evolução apareceu
com A Favorita onde, pela vez primeira, a vilã apareceu no início da novela.
Isso quebrou um paradigma quase intocado de empurrar todos os mistérios para o
fim da trama, causando sempre um desconfortante gosto de deja-vu ou mesmo a
síndrome do balão apagado ou a incapacidade dos autores em fazer finais
espetaculares e tão grandiloquentes como o tecer diário da trama e isso era um
muro intransponível. Em Cordel Encantado a Globo nos presenteou com o “cinema
anovelado”. E, para quem imaginava que nada mais poderia ser criado, ela se
reinventa, se readapta ao edge de um ambiente onde a mutação é o objetivo e nos
trás, de uma só porrada, TRÊS novidades fantásticas: As empreguetes, Gabriela e esse portento de
Avenida Brasil. Houve muita luta, sangue, dor e ranger de dentes, mas a Globo
conseguiu o que sempre buscou: se transformar na verdadeira hollywood
brasileira dos folhetins, do absurdo e da comédia. Retomar os índices
vergonhosos de audiência (de tão altos), não mais como outrora em que o
capítulo final de Vale Tudo teve 100% de audiência, mas todos descobriram quem
matou Odete Roythmann, mas alcançando os 51 pontos de ontem. Isso é índice de
final de Copa do Mundo. Em outras palavras, a emissora está conseguindo CRIAR a
primeira instituição nacional a se ombrear e até ultrapassar o futebol. Existe outro
aspecto, acachapante, a enfatizar. De uma só vez, a Globo coloca no ar a novela
Espírita (que já terminou) e já lança uma notável de época (Lado a Lado);
Empreguetes (filmar Woody Allen em Rosa Púrpura do Cairo, sem ele presente,
usando elementos e programas da própria emissora para criar uma nova realidade),
sua substituta (apesar de ser um remake para facilitar as coisas), Avenida
Brasil e Gabriela, enquanto já preparava a hiperprodução de Salve Jorge. Isso,
meus amigos, APENAS significa, sem contar o Vale a Pena Ver de Novo onde hoje
viceja gente fora do ar da estirpe de Lima Duarte, além das séries praticamente
diárias (Malhação, Tapas & Beijos, Grande Família etc.) e a substituta de
Gabriela, A IMPENSÁVEL, QUASE IMPOSSÍVEL soma de cerca de QUINZE MEGA PRODUÇÕES
ao mesmo tempo. É muito difícil imaginar que, cada uma dessas produções possui seu
próprio elenco (astros consagrados, protagonistas, coadjuvantes, participantes
e extras), suas locações e todo o imenso manancial técnico que cerca um
espetáculo desse nível. Realmente tenho que me render ao fato de que a Globo
está reinventando a televisão, fazendo história, criando opinião, gerando
culturas ideologicamente proveitosas para ela e se espalhando com sua própria genialidade.
Já não há pares no mundo inteiro, para ela. Em Avenida Brasil cheguei a pensar
que a síndrome de emporcalhar a final seria reeditada, com a volta de um
suspense absolutamente idiota do tipo quem matou quem, mas ela tinha tudo
combinado. Previsível para quem analisa as coisas sob a ótica da ciência: vilão
não vai para a cadeia neste país, no máximo os três anos que “os de menó”
passam na Fundação Casa; Santiago foi chamado à cena para explicar como tinha
sido gerado um monstro como a Carminha e Juca de Oliveira direcionou as balas
para seu corpo, criando o eterno halo de santidade dos superbandidos (Robin
Hood, Capone, Dillinger, Dom Corleone, Dirceu, Genoíno e Lewandovsky).
Mestrandos e doutorandos do ápice da pirâmide sócio-econômica brasileira, agora
tendes assunto pra dar com pau. Só na Avenida Brasil, a cada cem metros, dão
umas trinta teses em ciências humanas e sociais. Simples assim!
Assinar:
Postagens (Atom)