sábado, 20 de outubro de 2012

Bom dia para Avenida Brasil


Ah essa Avenida Brasil. Arnaldo Jabor fulminou todo o mistério e encantamento que envolve a novela Avenida Brasil: pela primeira vez a Globo disparou na ficção e acertou a realidade, além do que, mesmo utilizando os estereótipos de sempre do dinheiro transbordante e pitadas de realismo fantástico, desta vez deslocou o core business da trama para um Brasil mais reconhecível pelo brasileiro comum, corporificado na Zona Norte do Rio. Desta feita, Ipanema foi flash e Madureira o alvo. Há diversos aspectos a examinar na trama: sociológicos, antropológicos, psicológicos, estéticos e de interesses específicos da própria Globo. Há muito venho batendo duro na Emissora por estar criando um Brasil hollywoodiano, que não atinge o âmago do ribeirinho do norte, o sofredor do Nordeste, o pantaneiro, os milhões que se acotovelam nas fraldas dessa gigantesca montanha que são as megalópoles brasileiras, até mesmo os interioranos da parte belga de nossa Belíndia. Parece que a Globo vem percebendo que pode criar necessidades, hábitos inusitados e investir na satisfação disso, ganhando muito dinheiro. Esse sempre foi o alvo da TV brasileira, onde a Globo continua se sobressaindo há milhões de anos-luz das demais, em que pese a ascensão incontestável da Record, acompanhando o boom do Evangelho eufórico e de ganhos, do toma lá dá cá com Deus. A Band satisfaz da “velha” classe média para cima, na escala sócio-econômica (CQC, Pânico, esporte de qualidade) e o SBT segura firme a rebarba e as sobras da mãe, capitaneado por um genial gigolô, Sílvio Santos, e suas crias como Ratinho e Celso Portiolli. Mas nenhuma consegue empaturrar o brasileiro “normal” com cupcakes, brownies, donnuts, halloweens e cheerleaders, sem falar na apologia aberta do homossexualismo e a glorificação de toda a forma de necessidade especial. Parece que o mundo sente culpa em relação a todas essas minorias e a Globo assumiu o caráter de flagelo de Deus e ai de quem se incomoda com as manchetes de Jornal Nacional sobre a adoção de uma criancinha por um casal gay em Caxa Prego, no interior da Bahia. Voltando à vaca fria, o telespectador global conseguiu cruzar o túnel novo sem sentir nostalgia do Brasil. Sim, é ali em São Cristóvão, Del Castilho, Madureira, Meyer, Parada de Lucas, Quintino, Bento Ribeiro, Mal. Deodoro, Bangu e Campo Grande que pulsa o verdadeiro coração brasileiro e lá foi a Globo beber esse sentimento, pela primeira vez. Nossos heróis e vilões não mais vicejam na Av. Paulista nem na Barra, a coisa pulsa é no Divino mesmo. Quando eu comecei a ver novelas, ainda na Tupi, teve uma emblemática, Betto Rockefeller, a qual guardou para si a importância de “Véu de Noiva” para o moderno teatro brasileiro: saiu da linguagem cubano-mexicana de Gloria Magadan e mostrou o malandro paulista em sua essência, verdadeiro demônio da garoa. Veio a evolução até que apareceu um novo elo achado: Dacin’Days. E a classe média alta se viu na telinha com toda a pompa e circunstância. Saramandaia foi o surgimento, pela genialidade de Dias Gomes e a estupidez da censura oficial, do realismo fantástico na mesa do nosso povo, ao melhor estilo Garcia Marques e Vargas Llosa (mesmo sendo um de esquerda e o outro de direita a mostrar que, em arte, a política só atrapalha). Uma grande evolução apareceu com A Favorita onde, pela vez primeira, a vilã apareceu no início da novela. Isso quebrou um paradigma quase intocado de empurrar todos os mistérios para o fim da trama, causando sempre um desconfortante gosto de deja-vu ou mesmo a síndrome do balão apagado ou a incapacidade dos autores em fazer finais espetaculares e tão grandiloquentes como o tecer diário da trama e isso era um muro intransponível. Em Cordel Encantado a Globo nos presenteou com o “cinema anovelado”. E, para quem imaginava que nada mais poderia ser criado, ela se reinventa, se readapta ao edge de um ambiente onde a mutação é o objetivo e nos trás, de uma só porrada, TRÊS novidades fantásticas:  As empreguetes, Gabriela e esse portento de Avenida Brasil. Houve muita luta, sangue, dor e ranger de dentes, mas a Globo conseguiu o que sempre buscou: se transformar na verdadeira hollywood brasileira dos folhetins, do absurdo e da comédia. Retomar os índices vergonhosos de audiência (de tão altos), não mais como outrora em que o capítulo final de Vale Tudo teve 100% de audiência, mas todos descobriram quem matou Odete Roythmann, mas alcançando os 51 pontos de ontem. Isso é índice de final de Copa do Mundo. Em outras palavras, a emissora está conseguindo CRIAR a primeira instituição nacional a se ombrear e até ultrapassar o futebol. Existe outro aspecto, acachapante, a enfatizar. De uma só vez, a Globo coloca no ar a novela Espírita (que já terminou) e já lança uma notável de época (Lado a Lado); Empreguetes (filmar Woody Allen em Rosa Púrpura do Cairo, sem ele presente, usando elementos e programas da própria emissora para criar uma nova realidade), sua substituta (apesar de ser um remake para facilitar as coisas), Avenida Brasil e Gabriela, enquanto já preparava a hiperprodução de Salve Jorge. Isso, meus amigos, APENAS significa, sem contar o Vale a Pena Ver de Novo onde hoje viceja gente fora do ar da estirpe de Lima Duarte, além das séries praticamente diárias (Malhação, Tapas & Beijos, Grande Família etc.) e a substituta de Gabriela, A IMPENSÁVEL, QUASE IMPOSSÍVEL soma de cerca de QUINZE MEGA PRODUÇÕES ao mesmo tempo. É muito difícil imaginar que, cada uma dessas produções possui seu próprio elenco (astros consagrados, protagonistas, coadjuvantes, participantes e extras), suas locações e todo o imenso manancial técnico que cerca um espetáculo desse nível. Realmente tenho que me render ao fato de que a Globo está reinventando a televisão, fazendo história, criando opinião, gerando culturas ideologicamente proveitosas para ela e se espalhando com sua própria genialidade. Já não há pares no mundo inteiro, para ela. Em Avenida Brasil cheguei a pensar que a síndrome de emporcalhar a final seria reeditada, com a volta de um suspense absolutamente idiota do tipo quem matou quem, mas ela tinha tudo combinado. Previsível para quem analisa as coisas sob a ótica da ciência: vilão não vai para a cadeia neste país, no máximo os três anos que “os de menó” passam na Fundação Casa; Santiago foi chamado à cena para explicar como tinha sido gerado um monstro como a Carminha e Juca de Oliveira direcionou as balas para seu corpo, criando o eterno halo de santidade dos superbandidos (Robin Hood, Capone, Dillinger, Dom Corleone, Dirceu, Genoíno e Lewandovsky). Mestrandos e doutorandos do ápice da pirâmide sócio-econômica brasileira, agora tendes assunto pra dar com pau. Só na Avenida Brasil, a cada cem metros, dão umas trinta teses em ciências humanas e sociais. Simples assim!

Um comentário:

  1. Isso é um estudo sintetizado sobre as telenovelas e a sociedade brasileira...e eu demorei uns quatro minutos lendo algo que alguns tentam explicar a vida inteira, ahahahahha!

    Muito bom, Luiz Sérgio!

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