Ah essa Avenida Brasil. Arnaldo
Jabor fulminou todo o mistério e encantamento que envolve a novela Avenida
Brasil: pela primeira vez a Globo disparou na ficção e acertou a realidade,
além do que, mesmo utilizando os estereótipos de sempre do dinheiro
transbordante e pitadas de realismo fantástico, desta vez deslocou o core
business da trama para um Brasil mais reconhecível pelo brasileiro comum, corporificado
na Zona Norte do Rio. Desta feita, Ipanema foi flash e Madureira o alvo. Há
diversos aspectos a examinar na trama: sociológicos, antropológicos,
psicológicos, estéticos e de interesses específicos da própria Globo. Há muito
venho batendo duro na Emissora por estar criando um Brasil hollywoodiano, que
não atinge o âmago do ribeirinho do norte, o sofredor do Nordeste, o
pantaneiro, os milhões que se acotovelam nas fraldas dessa gigantesca montanha
que são as megalópoles brasileiras, até mesmo os interioranos da parte belga de
nossa Belíndia. Parece que a Globo vem percebendo que pode criar necessidades,
hábitos inusitados e investir na satisfação disso, ganhando muito dinheiro.
Esse sempre foi o alvo da TV brasileira, onde a Globo continua se sobressaindo
há milhões de anos-luz das demais, em que pese a ascensão incontestável da
Record, acompanhando o boom do Evangelho eufórico e de ganhos, do toma lá dá cá
com Deus. A Band satisfaz da “velha” classe média para cima, na escala sócio-econômica
(CQC, Pânico, esporte de qualidade) e o SBT segura firme a rebarba e as sobras
da mãe, capitaneado por um genial gigolô, Sílvio Santos, e suas crias como
Ratinho e Celso Portiolli. Mas nenhuma consegue empaturrar o brasileiro “normal”
com cupcakes, brownies, donnuts, halloweens e cheerleaders, sem falar na
apologia aberta do homossexualismo e a glorificação de toda a forma de
necessidade especial. Parece que o mundo sente culpa em relação a todas essas
minorias e a Globo assumiu o caráter de flagelo de Deus e ai de quem se
incomoda com as manchetes de Jornal Nacional sobre a adoção de uma criancinha
por um casal gay em Caxa Prego, no interior da Bahia. Voltando à vaca fria, o
telespectador global conseguiu cruzar o túnel novo sem sentir nostalgia do
Brasil. Sim, é ali em São Cristóvão, Del Castilho, Madureira, Meyer, Parada de
Lucas, Quintino, Bento Ribeiro, Mal. Deodoro, Bangu e Campo Grande que pulsa o
verdadeiro coração brasileiro e lá foi a Globo beber esse sentimento, pela primeira
vez. Nossos heróis e vilões não mais vicejam na Av. Paulista nem na Barra, a
coisa pulsa é no Divino mesmo. Quando eu comecei a ver novelas, ainda na Tupi,
teve uma emblemática, Betto Rockefeller, a qual guardou para si a importância
de “Véu de Noiva” para o moderno teatro brasileiro: saiu da linguagem cubano-mexicana
de Gloria Magadan e mostrou o malandro paulista em sua essência, verdadeiro
demônio da garoa. Veio a evolução até que apareceu um novo elo achado: Dacin’Days.
E a classe média alta se viu na telinha com toda a pompa e circunstância.
Saramandaia foi o surgimento, pela genialidade de Dias Gomes e a estupidez da censura
oficial, do realismo fantástico na mesa do nosso povo, ao melhor estilo Garcia
Marques e Vargas Llosa (mesmo sendo um de esquerda e o outro de direita a
mostrar que, em arte, a política só atrapalha). Uma grande evolução apareceu
com A Favorita onde, pela vez primeira, a vilã apareceu no início da novela.
Isso quebrou um paradigma quase intocado de empurrar todos os mistérios para o
fim da trama, causando sempre um desconfortante gosto de deja-vu ou mesmo a
síndrome do balão apagado ou a incapacidade dos autores em fazer finais
espetaculares e tão grandiloquentes como o tecer diário da trama e isso era um
muro intransponível. Em Cordel Encantado a Globo nos presenteou com o “cinema
anovelado”. E, para quem imaginava que nada mais poderia ser criado, ela se
reinventa, se readapta ao edge de um ambiente onde a mutação é o objetivo e nos
trás, de uma só porrada, TRÊS novidades fantásticas: As empreguetes, Gabriela e esse portento de
Avenida Brasil. Houve muita luta, sangue, dor e ranger de dentes, mas a Globo
conseguiu o que sempre buscou: se transformar na verdadeira hollywood
brasileira dos folhetins, do absurdo e da comédia. Retomar os índices
vergonhosos de audiência (de tão altos), não mais como outrora em que o
capítulo final de Vale Tudo teve 100% de audiência, mas todos descobriram quem
matou Odete Roythmann, mas alcançando os 51 pontos de ontem. Isso é índice de
final de Copa do Mundo. Em outras palavras, a emissora está conseguindo CRIAR a
primeira instituição nacional a se ombrear e até ultrapassar o futebol. Existe outro
aspecto, acachapante, a enfatizar. De uma só vez, a Globo coloca no ar a novela
Espírita (que já terminou) e já lança uma notável de época (Lado a Lado);
Empreguetes (filmar Woody Allen em Rosa Púrpura do Cairo, sem ele presente,
usando elementos e programas da própria emissora para criar uma nova realidade),
sua substituta (apesar de ser um remake para facilitar as coisas), Avenida
Brasil e Gabriela, enquanto já preparava a hiperprodução de Salve Jorge. Isso,
meus amigos, APENAS significa, sem contar o Vale a Pena Ver de Novo onde hoje
viceja gente fora do ar da estirpe de Lima Duarte, além das séries praticamente
diárias (Malhação, Tapas & Beijos, Grande Família etc.) e a substituta de
Gabriela, A IMPENSÁVEL, QUASE IMPOSSÍVEL soma de cerca de QUINZE MEGA PRODUÇÕES
ao mesmo tempo. É muito difícil imaginar que, cada uma dessas produções possui seu
próprio elenco (astros consagrados, protagonistas, coadjuvantes, participantes
e extras), suas locações e todo o imenso manancial técnico que cerca um
espetáculo desse nível. Realmente tenho que me render ao fato de que a Globo
está reinventando a televisão, fazendo história, criando opinião, gerando
culturas ideologicamente proveitosas para ela e se espalhando com sua própria genialidade.
Já não há pares no mundo inteiro, para ela. Em Avenida Brasil cheguei a pensar
que a síndrome de emporcalhar a final seria reeditada, com a volta de um
suspense absolutamente idiota do tipo quem matou quem, mas ela tinha tudo
combinado. Previsível para quem analisa as coisas sob a ótica da ciência: vilão
não vai para a cadeia neste país, no máximo os três anos que “os de menó”
passam na Fundação Casa; Santiago foi chamado à cena para explicar como tinha
sido gerado um monstro como a Carminha e Juca de Oliveira direcionou as balas
para seu corpo, criando o eterno halo de santidade dos superbandidos (Robin
Hood, Capone, Dillinger, Dom Corleone, Dirceu, Genoíno e Lewandovsky).
Mestrandos e doutorandos do ápice da pirâmide sócio-econômica brasileira, agora
tendes assunto pra dar com pau. Só na Avenida Brasil, a cada cem metros, dão
umas trinta teses em ciências humanas e sociais. Simples assim!
Isso é um estudo sintetizado sobre as telenovelas e a sociedade brasileira...e eu demorei uns quatro minutos lendo algo que alguns tentam explicar a vida inteira, ahahahahha!
ResponderExcluirMuito bom, Luiz Sérgio!