quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Bom dia para as cidades.


Ah essas cidades! Horripilantes as imagens da passagem do furacão Sandy por Nova Iorque. Na verdade parece que estamos a milhões de anos-luz do problema específico e esquecemos que, todos os anos, enfrentamos perdas materiais e humanas bem mais severas que as causadas nos Estados Unidos. Evidente que, conforme o estágio de desenvolvimento de uma nação, tão mais devastadores serão os efeitos de desastres naturais. O Japão teve sua costa sudeste praticamente destruída por um Tsunami em 2011, com perdas oficiais de 15.848 mortos e 3.305 desaparecidos. Apesar do monstro ter tido a intensidade nove na Escala Richter, além de 311 mil pessoas ainda estarem abrigadas em acampamentos provisórios, 24h depois de baixarem as águas já estava sendo reconstruída uma enorme autoestrada e o país continua sendo uma das maiores economias do mundo, um ano após o evento. No Haiti, com uma intensidade de sete pontos, na mesma escala, o terremoto de 2010 matou mais de 200 mil pessoas e paralisou o país até os dias de hoje e sem perspectivas de melhora à vista. Eu estava no Rio, em janeiro de 1963, quando uma grande chuva matou 321 pessoas. Desde lá e tirando os picos de Teresópolis, Petrópolis, lixão de Niterói e Itajaí (SC), morrem no Brasil cerca de 1.000 pessoas por ano, vítimas dessas enchentes que todos sabem que vão acontecer, com data, hora e locais já marcados. A isso se somam cerca de 200 mortos anuais pelas intermitentes secas no Nordeste. O pavoroso Sandy matou entre 33 e 48 pessoas em território norte-americano, chegando a 18 vítimas fatais em Nova Iorque. É uma análise simplista a que utiliza uma só variável para relacionar as mortes ocasionadas por esses desastres naturais e o estágio de desenvolvimento econômico dos países atingidos. Existe uma variável para mim muito mais importante, mas que permanece invisível numa espécie de sombra intangível e limbo permanente: o fenômeno histórico da criação de cidades e a crescente urbanização. A humanidade se desenvolveu em árvores e cavernas, ao redor de famílias e posteriormente clãs e tribos. Isso parece indicar a existência de traços culturais muito fortes unindo essas pessoas. Em outras palavras, o ser humano se multiplicou em volta de valores humanitários e coincidentes. Em suma, as pessoas se conheciam, eram parentes mesmo distantes, professando os mesmos credos, desenvolvendo os mesmos costumes. Com o início do fenômeno do sedentarismo, parece óbvio que as hordas nômades passaram a colocar em risco esse manso destino dos aglomerados humanos. A própria proliferação das cidades mais antigas obedeceram a três razões fundamentais: a segurança contra os ataques Nômades; o abastecimento de água (fator fundamental à vida não só pelo consumo mas através da irrigação) e facilidade das comunicações em um território sempre hostil. Essas motivações parecem ser comprovadas pela História, quando se verifica que as primeiras cidades surgiram contíguas aos grandes rios ou no litoral. Assim ocorreu com os egípcios no vale do Nilo (Tebas, Memphis e Sais); com os mesopotâmios nos vales do Tigre e do Eufrates (Nínive, Babilônia, Ur); com os hebreus no vale do Jordão (após ocupar centros urbanos palestinos como Jericó, Jerusalém e Ai); com os fenícios no atual território libanês, incluindo o vale do Bekaa (Tiro e Sidom); com ospersal no planalto do Irã (Antioquia, Pasárgada e Persépolis); com os hindus na planície hindu-gangética (Bengalore e Melukote, esta a mais antiga cidade habitada do mundo, com cerca de 25 mil anos de existência o que a leva ao neolítico) e com os chineses, nos vales do Yang-Tsé-Kiang e do Huan Ho (Luoyag e Xi’an). Esses aglomerados urbanos permitiram a sobrevivência da raça humana sedentária, protegida por paliçadas e depois enormes muralhas que as continham em relativamente pequenos espaços geográficos, fator que diminui sensivelmente os problemas de alimentação, água, destino dos dejetos humanos e do lixo, comunicações, mobilidade, segurança interna, destinação dos mortos etc. Com o desenvolvimento de civilizações mais avançadas como a Greco-romana, os serviços urbanos tiveram imenso progresso com a criação de estradas de vias públicas, saneamento básico, distribuição de água potável com a construção de grandes aquedutos, obras de arte (pontes, viadutos, palácios etc.). A coisa começou a pegar a partir do termo médio-final do século XVIII, especificamente com o aparecimento da Primeira Revolução Industrial, pelo surgimento de metrópoles industriais como Londres, Manchester, Berlim, Paris, Nova Iorque, Chicago, Filadélfia e Pittsburgh. Esse fenômeno trouxe em seu bojo o êxodo rural, com a mecanização agrícola, e a criação de imensos “bairros” operários no entorno das grandes cidades. Essas, chamemos de favelas (do inglês slums), desorganizaram a possibilidade de os serviços públicos acompanharem o vertiginoso crescimento populacional e as questões urbanas, desde então, passaram à condição de caos, notadamente em países ainda não desenvolvidos como Brasil, Índia e China. Nova Iorque está sendo duramente atingida pelo Sandy, principalmente por possuir tantas fragilidades decorrentes do fenômeno da urbanização: túneis viários alagados; trens subterrâneos também inativados pelo excesso de água; caráter salobre dessas águas “invasoras”, oxidando trilhos, causando curtos circuitos imensos nas linhas de transmissão de eletricidade e força; paralisação dos transportes urbanos terrestres; hospitais e escolas também paralisados. Tudo isso seria muito amenizado se não existisse essa enorme concentração de pessoas em pontos geográficos não extensos. Entendo que a cidade não foi uma boa solução para a manutenção do processo civilizatório do ser humano, desde o momento que seu crescimento passou a ser desenfreado e descontrolado. No Brasil, onde as cidades são entumecidas com mais de 70% de concentração populacional, os serviços urbanos são precários e há muito mais problemas que soluções. Moro em uma cidade de rara beleza, Belém do Pará, convivendo com os mesmos esgotos a céu aberto do início dos anos 50, inflando sua zona de influência (a Grande Belém), canais de bosta sangrando já à beira dos bairros de classe média, energia claudicante, água potável inexistente, nenhum planejamento urbano, mobilidade já beirando as marginais paulistas, milhares de “habitações” tipo Nova Delhi, no entorno. Possibilidades ínfimas de mudar esse desiderato nas próximas décadas. Os países ricos conseguem deter o crescimento da população em volta dos grandes centros urbanos, via planejamento familiar, dificuldades para migrações e outras medidas sérias. Assim Belém decerto teria uma incalculável perda de vidas caso fosse atingida pelo furacão. Enquanto Nova Iorque resistiu e, decerto, aguentaria não só o Sandy como estaria preparada para o Junior. Simples assim!   

Um comentário:

  1. Tema interessante para uma boa aula de Geografia (e de Sociologia também).

    E me lembrei do que cantava o Chico Science: a cidade não para, a cidade só cresce; o de cima sobe e o de baixo desce!

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