Ah essas
cidades! Horripilantes as imagens da passagem do furacão Sandy por Nova Iorque.
Na verdade parece que estamos a milhões de anos-luz do problema específico e
esquecemos que, todos os anos, enfrentamos perdas materiais e humanas bem mais
severas que as causadas nos Estados Unidos. Evidente que, conforme o estágio de
desenvolvimento de uma nação, tão mais devastadores serão os efeitos de
desastres naturais. O Japão teve sua costa sudeste praticamente destruída por
um Tsunami em 2011, com perdas oficiais de 15.848 mortos e 3.305 desaparecidos.
Apesar do monstro ter tido a intensidade nove na Escala Richter, além de 311
mil pessoas ainda estarem abrigadas em acampamentos provisórios, 24h depois de
baixarem as águas já estava sendo reconstruída uma enorme autoestrada e o país
continua sendo uma das maiores economias do mundo, um ano após o evento. No
Haiti, com uma intensidade de sete pontos, na mesma escala, o terremoto de 2010
matou mais de 200 mil pessoas e paralisou o país até os dias de hoje e sem perspectivas
de melhora à vista. Eu estava no Rio, em janeiro de 1963, quando uma grande
chuva matou 321 pessoas. Desde lá e tirando os picos de Teresópolis,
Petrópolis, lixão de Niterói e Itajaí (SC), morrem no Brasil cerca de 1.000
pessoas por ano, vítimas dessas enchentes que todos sabem que vão acontecer,
com data, hora e locais já marcados. A isso se somam cerca de 200 mortos anuais
pelas intermitentes secas no Nordeste. O pavoroso Sandy matou entre 33 e 48
pessoas em território norte-americano, chegando a 18 vítimas fatais em Nova
Iorque. É uma análise simplista a que utiliza uma só variável para relacionar
as mortes ocasionadas por esses desastres naturais e o estágio de
desenvolvimento econômico dos países atingidos. Existe uma variável para mim
muito mais importante, mas que permanece invisível numa espécie de sombra
intangível e limbo permanente: o fenômeno histórico da criação de cidades e a
crescente urbanização. A humanidade se desenvolveu em árvores e cavernas, ao
redor de famílias e posteriormente clãs e tribos. Isso parece indicar a
existência de traços culturais muito fortes unindo essas pessoas. Em outras
palavras, o ser humano se multiplicou em volta de valores humanitários e
coincidentes. Em suma, as pessoas se conheciam, eram parentes mesmo distantes,
professando os mesmos credos, desenvolvendo os mesmos costumes. Com o início do
fenômeno do sedentarismo, parece óbvio que as hordas nômades passaram a colocar
em risco esse manso destino dos aglomerados humanos. A própria proliferação das
cidades mais antigas obedeceram a três razões fundamentais: a segurança contra
os ataques Nômades; o abastecimento de água (fator fundamental à vida não só
pelo consumo mas através da irrigação) e facilidade das comunicações em um
território sempre hostil. Essas motivações parecem ser comprovadas pela
História, quando se verifica que as primeiras cidades surgiram contíguas aos
grandes rios ou no litoral. Assim ocorreu com os egípcios no vale do Nilo
(Tebas, Memphis e Sais); com os mesopotâmios nos vales do Tigre e do Eufrates
(Nínive, Babilônia, Ur); com os hebreus no vale do Jordão (após ocupar centros urbanos
palestinos como Jericó, Jerusalém e Ai); com os fenícios no atual território
libanês, incluindo o vale do Bekaa (Tiro e Sidom); com ospersal no planalto do
Irã (Antioquia, Pasárgada e Persépolis); com os hindus na planície hindu-gangética
(Bengalore e Melukote, esta a mais antiga cidade habitada do mundo, com cerca
de 25 mil anos de existência o que a leva ao neolítico) e com os chineses, nos
vales do Yang-Tsé-Kiang e do Huan Ho (Luoyag e Xi’an). Esses aglomerados
urbanos permitiram a sobrevivência da raça humana sedentária, protegida por
paliçadas e depois enormes muralhas que as continham em relativamente pequenos
espaços geográficos, fator que diminui sensivelmente os problemas de
alimentação, água, destino dos dejetos humanos e do lixo, comunicações,
mobilidade, segurança interna, destinação dos mortos etc. Com o desenvolvimento
de civilizações mais avançadas como a Greco-romana, os serviços urbanos tiveram
imenso progresso com a criação de estradas de vias públicas, saneamento básico,
distribuição de água potável com a construção de grandes aquedutos, obras de
arte (pontes, viadutos, palácios etc.). A coisa começou a pegar a partir do
termo médio-final do século XVIII, especificamente com o aparecimento da
Primeira Revolução Industrial, pelo surgimento de metrópoles industriais como
Londres, Manchester, Berlim, Paris, Nova Iorque, Chicago, Filadélfia e Pittsburgh.
Esse fenômeno trouxe em seu bojo o êxodo rural, com a mecanização agrícola, e a
criação de imensos “bairros” operários no entorno das grandes cidades. Essas,
chamemos de favelas (do inglês slums), desorganizaram a possibilidade de os
serviços públicos acompanharem o vertiginoso crescimento populacional e as
questões urbanas, desde então, passaram à condição de caos, notadamente em
países ainda não desenvolvidos como Brasil, Índia e China. Nova Iorque está
sendo duramente atingida pelo Sandy, principalmente por possuir tantas
fragilidades decorrentes do fenômeno da urbanização: túneis viários alagados;
trens subterrâneos também inativados pelo excesso de água; caráter salobre
dessas águas “invasoras”, oxidando trilhos, causando curtos circuitos imensos
nas linhas de transmissão de eletricidade e força; paralisação dos transportes
urbanos terrestres; hospitais e escolas também paralisados. Tudo isso seria
muito amenizado se não existisse essa enorme concentração de pessoas em pontos
geográficos não extensos. Entendo que a cidade não foi uma boa solução para a
manutenção do processo civilizatório do ser humano, desde o momento que seu
crescimento passou a ser desenfreado e descontrolado. No Brasil, onde as
cidades são entumecidas com mais de 70% de concentração populacional, os
serviços urbanos são precários e há muito mais problemas que soluções. Moro em
uma cidade de rara beleza, Belém do Pará, convivendo com os mesmos esgotos a
céu aberto do início dos anos 50, inflando sua zona de influência (a Grande
Belém), canais de bosta sangrando já à beira dos bairros de classe média,
energia claudicante, água potável inexistente, nenhum planejamento urbano,
mobilidade já beirando as marginais paulistas, milhares de “habitações” tipo Nova
Delhi, no entorno. Possibilidades ínfimas de mudar esse desiderato nas próximas
décadas. Os países ricos conseguem deter o crescimento da população em volta
dos grandes centros urbanos, via planejamento familiar, dificuldades para
migrações e outras medidas sérias. Assim Belém decerto teria uma incalculável
perda de vidas caso fosse atingida pelo furacão. Enquanto Nova Iorque resistiu
e, decerto, aguentaria não só o Sandy como estaria preparada para o Junior.
Simples assim!
Tema interessante para uma boa aula de Geografia (e de Sociologia também).
ResponderExcluirE me lembrei do que cantava o Chico Science: a cidade não para, a cidade só cresce; o de cima sobe e o de baixo desce!