quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Bom dia para Karl Marx


Ah o Marxismo! Há cerca de 14 anos tive o privilégio de assistir a uma palestra de meu mais forte guru em questões de ética: o pensador, sociólogo e filósofo Edgar Morin, judeu francês com noventa e um anos de idade. O que me chamou mais a atenção foi uma pergunta feita por um empafioso professor de Sociologia, doutorando da mesma UnB, indagando (em francês melodioso) se ao defender determinada opinião, Morin tinha sido sincero ou cínico. Estupefato, o velho mestre respondeu, em primeiro lugar, que estava fazendo a palestra em espanhol e não entendia por que o ouvinte fizera a pergunta em francês e disparou-lhe a primeira indagação: seria isso para demonstrar uma desnecessária erudição perante a plateia? E mandou a segunda: Em qual de seus livros o ouvinte tinha lido aquela opinião? O já meio atarantado professor informou-lhe que lera o assunto num livro em que um terceiro analista afirmava que Morin assim pensava. O atônito filósofo então deixou bem claro: Eu nunca falei isso! E concluiu, mesmo não sendo cristão mas parafraseando Jesus: Acautelai-vos contra os que tomam seu nome e suas ideias em vão! Esse case vem a calhar na vida de Karl Marx. Ninguém, ao longo da História, foi mais criticado, analisado e esmiuçado SEM SER LIDO!?!? Muito poucos que falam ou falaram de Marx terão lido os quatro volumes de “O Capital” (o quarto foi póstumo e escrito por Engels) ou mesmo o relativamente pequeno “Manifesto do Partido Comunista”. Quanto mais obras menos famosas, que li (umas com prazer outras com dificuldade), como “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, “Sobre a questão judaica”, “A Sagrada Família” e “Sobre o suicídio”.  Mas já vi muitos pousarem de especialistas nas ideias do filósofo alemão. Tive o cuidado de ler a obra de Marx, com espírito aberto mas crítico, até perceber que esse homem, na verdade, é um dos pensadores mais geniais, holísticos e injustiçados da História. Muito colaborou, para isto, a apropriação indébita das ideias marxistas por ditaduras sanguinárias como as de Stalin na antiga URSS, Fidel em Cuba, Mao na China e outros países sob suas influências no sudeste asiático, leste europeu e parte da África recém libertada, dede o final dos anos cinquenta. Para isso contribuiu, substancialmente, o fato das ideias marxistas, escritas para vicejar nos riquíssimos solos alemão e inglês, países credores da vanguarda em todas as criações do pensamento moderno (na arte, na ciência, na tecnologia, na economia, na sociologia etc.) e que convulsionaram o mundo a partir do século XVIII, começou por vingar em solo muito mais arenoso. Certamente por azar ou infelicidade do destino, Marx terminou por incentivar uma grande revolução em um gigantesco (mas pouco habitado) país com metade de seu território congelado grande parte do ano e ainda mergulhado no Feudalismo. Na verdade as Rússias dos Tzares, ainda nem haviam iniciado a colheita do Iluminismo e sequer passaram pela aventura capitalista pós Revolução Industrial. Ora, uma nação com 90% de sua população formada por analfabetos, mergulhada num absolutismo anacrônico (onde nem a Revolução Francesa sequer ecoara), quase sem comunicação com a parte mais culta da Europa, não era propriamente o local idealizado pelo Mestre para dar viço a ideias tão avançadas quanto, por exemplo, a ditadura do proletariado. Lenine certamente percebeu a impossibilidade material de transferência do poder para uma massa despreparada, nos campos e cidades, optando por criar uma plutocracia com a cúpula do Partido Único fato que, infelizmente, manteve-se intocada até a derrocada da URSS em 1991 e a queda dos seus regimes satélites em cascata. Mao tinha feito o mesmo na China e a ideia central de transferência do poder para uma estrutura social, econômica e política diferente (para mim o grande ideal comunista e cerne da Revolução), ficou no terreno da utopia. Essa era a seta que Marx sempre buscou cravar no coração do capitalismo desvairado, na verdade o mais desumano sistema de governo e vida jamais criado e que persiste e parece ubíquo por mais mil anos, notadamente pelo fim de sua dicotomia prática. Marx não era um sonhador e, do meio fértil de suas ideias, ainda persiste a possibilidade de que os esfomeados e excluídos da Terra (componentes de 2/3 dos habitantes do planeta), venham a tomar o poder através de uma revolução armada e sangrenta (do estilo haitiano ou norte-americano mais puro), movidos no meio dos grandes aglomerados urbanos, ainda que lhes falte um substrato político. Hirto de ira quando o acusavam de embalar um sonho, até confundindo-o com os socialistas utópicos como Saint-Simon, Orwell, Blanc, Fourier, Proudhom e outros menos votados, vociferava Marx, com a indignação dos justos, que a ele não cabia entender ou explicar o mundo, mas MODIFICÁ-LO! E ninguém jamais deu tanta munição aos trabalhadores em estado de escravidão disfarçada em que ainda vivem, do que o filósofo alemão. A questão da sociedade não estratificada realmente só poderia ocorrer num Estado Comunista Internacional com Liberdade Organizada, como expressamente previu. A coletivização dos meios de produção, na verdade, constituir-se-ia no maior evento no caminho de uma sociedade solidária, humana e igualitária. O fim da mais-valia (penalidade que atinge os trabalhadores quando excedem a produção de bens para seu sustento e passam a fazê-lo para o mercado criando, por esforço pessoal, um valor econômico excedente e expropriado pelo capitalista, chamado lucro) permitiria a produção de bens (para o consumo necessário da humanidade) e não mercadorias (excedentes consumidos por impulso ou para a geração do já mencionado lucro, além de status). A própria ditadura do proletariado, exercida pelo Partido Único, comunista, pelo menos afastaria do centro do poder os que utilizam riquezas pessoais para ascender ao mando político. Até a previsão de que o capitalismo terminaria por ser dizimado por suas próprias mazelas, numa autofagia inafastável e como corolário da desenfreada concentração de riquezas, fato que faz o mundo, cada vez mais, “pertencer” a cada vez menos, parece inexorável nos dias de hoje. Aonde a coisa pega mais, para mim, é no determinismo histórico. Explico! Ou melhor, tento explicar. A dialética (originalmente desenvolvida por Zenão de Eléia e depois aperfeiçoada pelo panteísta Hegel) vem a ser o caminho que tomam as ideias até se corporificarem em fatos, ou seja, do pensamento (sua gênese) até a ação (sua manifestação real). Penso: vou mover o braço (tese); reflito: Para quê? (antítese). Resultado: Para pegar meu lápis! (síntese da ação engendrada). Esse magistral arcabouço filosófico, adaptado à função pragmática da História, resultaria na eclosão do já mencionado Estado Comunista, como desiderato inevitável, fruto da evolução e do que Marx e Engels chamaram de construção do SOCIALISMO CIENTÍFICO. Aí me parece falhar o Marxismo. Talvez não em substrato mas certamente em forma. Ao assumir  a infalibilidade dessa crença, o Marxismo abandona o método científico, que admite a refutação, para afundar na ideologia, posição que não aceita a contradita, como verdade estática. Penso que se os pesquisadores do Marxismo, ou o próprio Marx, tivessem previsto uma brecha para acatar a dinâmica da crítica e a possibilidade de evolução da ideia, certamente já não estaríamos vivendo sob a égide de um sistema tão injusto como o capitalismo (assim mesmo, com C minúsculo). Nos fins de tarde e ocaso da vida, quase sempre sou tentado a pensar: quem sabe o milênio de paz com Cristo, o terceiro milênio místico da era de Aquário e tantas filosofias religiosas e morais assemelhadas, não sejam, no fundo, um Comunismo de sentimentos, ética, riquezas e pobrezas? Tirando os pensadores cínicos, absurdos, melosos e sonhadores, Marx é o único que muito de aproxima de uma realidade plausível, uma esperança para um amanhã melhor. Por final, parece certo que Marx sempre é julgado por excertos, pensamentos soltos do tipo “A religião é o ópio do povo” ou “Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência” ou ainda ”O caminho do inferno está pavimentado de boas intenções”. Me confesso um Comunista puro, pelo simples fato de Marx ser o único pensador que mais se aproxima dos Evangelhos de Jesus Cristo. Ninguém, na verdade, idealizou um mundo tão justo quanto esses dois. Simples assim!

Um comentário:

  1. Sensacional texto, papai!

    Nunca li nada de Marx, e por isso mesmo sempre achei estranho que algumas pessoas fossem rotuladas de "marxistas" por aí.

    Fosse essa classificação correta, provavelmente (e de acordo com o que acabo de aprender) o mundo seria um local bem melhor.

    Então, estamos povoados de falsos marxistas; são uns grandessíssimos filhos da puta, isso sim!

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