sábado, 27 de outubro de 2012

Bom dia para as crônicas e os cronistas


Ah as crônicas. Tenho um sobrinho de enorme inteligência que me telefonou ontem para dizer, em suma, que gostava de ler meus artigos, mas achava que eles deveriam se referir mais a críticas sociais dos assuntos atuais, aqueles que estão movendo a opinião pública brasileira aqui e agora. Logo, parecia um pouco enfastiado diante de crônicas sobre assuntos gerais, muitas vezes sem ressonância na mídia. Poderia ter explicado a ele algumas razões sobre o porquê de meus escritos versarem sobre matérias tão discrepantes, umas do cotidiano imediato e outras metafísicas e psicológicas. Acho que talvez ele não tenha percebido que essa resposta cabe numa crônica inteira, como esta, nem a Caixa de Pandora e vespeiro o qual ele, na verdade, balançou o galho. Essa dicotomia é muito antiga, referindo-se à própria índole do pensamento. Aristóteles e seus seguidores e pósteros criaram a teoria de que as ideias eram produto da percepção humana da realidade que os circunda. Nada é verdadeiro se não passar pelo crivo dos sentidos. Isso veio a desembocar em uma linha filosófica que vige até nossos dias e foi muito bem explorada pelo pensamento anglo-saxão: pragmatismo e utilitarismo. Em outras palavras, tudo só é válido se for bom e útil para muitos, nem precisa ser para todos. Francis Bacon idealizou o método científico indutivo para uso no Empirismo, o reino da checagem e verificação. Pensadores modernos como Smith, Ricardo, Malthus, Hume, Mill, Bentham , além de filósofos políticos como Locke; filósofos contemporâneos, como John Dewey, anexaram esse paradigma ao próprio sistema educacional norte-americano e, como eles dominam o mundo em termos culturais, espraiaram essa ideia de que é bom o que se percebe e logo; a universidade existe para preparar membros para atuar no mercado; a crônica é interessante desde que seja sobre algo palpável e pulsante que está se derramando no dia-a-dia. Por outro lado, o professor de Aristóteles, Platão, defendia que nossas ideias e nosso comportamento, são resultantes de nossa mente racional, não uma mera tabula rasa onde se impregnavam as sensações do real, mas um HD já formatado com experiências que passavam de geração a geração, formando um arcabouço de cultura original da qual partiam nossas contribuições para a evolução da compreensão e leitura do mundo que nos envolve. Como não há espaço aqui, sugiro que meus eventuais e raros leitores, leiam o episódio do Mito da Caverna, narrado no Livro VII, d’A República. Esse genial mestre criou também uma linha de pensamento, pai da estrutura da educação moderna e contemporânea, tendo por rito de passagem Rene Descartes, com o método científico dedutivo e a ciência racional, não empírica, desembocando em Kant, no idealismo do Pensamento alemão (Fichte, Schelling e Hegel), que se divide em Esquerda (Marx e Engels) e Direita (Feuerbach e Weber) para desembocar nas ideologias práticas de Lenine e Trotski. Pois muito bem, nessa linha, por exemplo, as Universidades se criam para gerar conhecimento (filosófico, religioso, ideológico ou científico). Parece ter ficado clara a separação, até os dias atuais e seguindo em direção ao futuro, entre uma linha e outra. Apaixonado pela escrita, desde muito cedo, tomei um partido, necessariamente ideológico, pela esquerda, o que me levava, inexoravelmente, para o Idealismo e estudo primordial dos cronistas das ideias e não dos fatos. Quando eu tinha sete anos, me encantava ler as crônicas de Henrique Pongetti, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, na Revista “Manchete” (ou seria no “O Cruzeiro”? Quem lembrar me corrija), além de Rachel de Queiroz, Carlinhos de Oliveira, Sérgio Porto, Carlos Heitor Cony etc,  que, justamente pelo caráter intermitente das publicações, mais se voltavam para as ideias do que  para os fatos. Mas também lia, na “Folha do Norte”, na “Província do Pará”, na “Folha Vespertina”, no “O Liberal” (pois “O Imparcial” e o “Flash” eram tabloides sanguinolentos), crônicas geniais de fatos, escritas por Paulo Maranhão, Edgard e Edyr Proença, Paes Loureiro, Eneida, Ruy Barata, Waldemar Henrique e outros, além das nacionais escritas por Nelson Rodrigues (“A vida como ela é” e “À sombra das chuteiras imortais”). Depois fui para os cronistas do cotidiano e das ideias, do século XIX e alvores do século XX, que escreviam em jornais e grandes obras literárias (Machado de Assis, José de Alencar, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e outros menos votados). Dá para perceber em que caldo cultural fui me lambuzar, até chegar aos dias de hoje. Sou permanentemente tentado a comentar os fatos bombásticos do cotidiano, até como corolário da rapidez com a qual se dissemina a informação; escrever sobre o hoje, o fato, a notícia e a versão. Contudo, meu genial sobrinho, não me encanta só o prazer de ser lido, daí escrever muito mais assuntos que transcendem os fantásticos e velozes acontecimentos do cotidiano e veja que, de vez em quando, estou fazendo o que você me recomenda. Me perdoe, ao vivo e a cores, mas sou tragado, sem piedade, a me manifestar sobre a profundidade das ideias, quase sempre, mesmo que pregue para um mundo voraz pelo econômico, fácil e rápido, o que me dá a permanente sensação de estar falando para as areias do deserto. Contudo, se consegui me imiscuir em meio aos pensamentos de um cara genial, como você, tudo já terá valido a pena, Luiz Cláudio Nunes. Simples assim!

Um comentário:

  1. Também fujo dos modismos literários. Estou sempre reinventando minha leitura (relendo coisas interessantes muito antigas), afinal quando li aquele determinado texto minha vida tinha um sentido, hoje tem outro completamente diferente.

    Por isso, também não sou movido a escrever sobre atualidades. A internet já está aí para massificá-las, mesmo que muitas delas sejam futilidades mascaradas.

    Enfim, continue escrevendo sobre o que lhe der na telha.

    Um dia - ou nunca, e isso REALMENTE não importa! - suas palavras serão lembradas, lidas, relidas e admiradas!

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