Ah as crônicas. Tenho um sobrinho
de enorme inteligência que me telefonou ontem para dizer, em suma, que gostava
de ler meus artigos, mas achava que eles deveriam se referir mais a críticas
sociais dos assuntos atuais, aqueles que estão movendo a opinião pública
brasileira aqui e agora. Logo, parecia um pouco enfastiado diante de crônicas
sobre assuntos gerais, muitas vezes sem ressonância na mídia. Poderia ter
explicado a ele algumas razões sobre o porquê de meus escritos versarem sobre
matérias tão discrepantes, umas do cotidiano imediato e outras metafísicas e
psicológicas. Acho que talvez ele não tenha percebido que essa resposta cabe
numa crônica inteira, como esta, nem a Caixa de Pandora e vespeiro o qual ele,
na verdade, balançou o galho. Essa dicotomia é muito antiga, referindo-se à
própria índole do pensamento. Aristóteles e seus seguidores e pósteros criaram
a teoria de que as ideias eram produto da percepção humana da realidade que os
circunda. Nada é verdadeiro se não passar pelo crivo dos sentidos. Isso veio a
desembocar em uma linha filosófica que vige até nossos dias e foi muito bem
explorada pelo pensamento anglo-saxão: pragmatismo e utilitarismo. Em outras
palavras, tudo só é válido se for bom e útil para muitos, nem precisa ser para
todos. Francis Bacon idealizou o método científico indutivo para uso no
Empirismo, o reino da checagem e verificação. Pensadores modernos como Smith,
Ricardo, Malthus, Hume, Mill, Bentham , além de filósofos políticos como Locke;
filósofos contemporâneos, como John Dewey, anexaram esse paradigma ao próprio
sistema educacional norte-americano e, como eles dominam o mundo em termos
culturais, espraiaram essa ideia de que é bom o que se percebe e logo; a universidade
existe para preparar membros para atuar no mercado; a crônica é interessante
desde que seja sobre algo palpável e pulsante que está se derramando no dia-a-dia.
Por outro lado, o professor de Aristóteles, Platão, defendia que nossas ideias
e nosso comportamento, são resultantes de nossa mente racional, não uma mera tabula rasa onde se impregnavam as
sensações do real, mas um HD já formatado com experiências que passavam de
geração a geração, formando um arcabouço de cultura original da qual partiam
nossas contribuições para a evolução da compreensão e leitura do mundo que nos
envolve. Como não há espaço aqui, sugiro que meus eventuais e raros leitores,
leiam o episódio do Mito da Caverna, narrado no Livro VII, d’A República. Esse
genial mestre criou também uma linha de pensamento, pai da estrutura da
educação moderna e contemporânea, tendo por rito de passagem Rene Descartes,
com o método científico dedutivo e a ciência racional, não empírica,
desembocando em Kant, no idealismo do Pensamento alemão (Fichte, Schelling e
Hegel), que se divide em Esquerda (Marx e Engels) e Direita (Feuerbach e Weber)
para desembocar nas ideologias práticas de Lenine e Trotski. Pois muito bem,
nessa linha, por exemplo, as Universidades se criam para gerar conhecimento
(filosófico, religioso, ideológico ou científico). Parece ter ficado clara a
separação, até os dias atuais e seguindo em direção ao futuro, entre uma linha
e outra. Apaixonado pela escrita, desde muito cedo, tomei um partido,
necessariamente ideológico, pela esquerda, o que me levava, inexoravelmente,
para o Idealismo e estudo primordial dos cronistas das ideias e não dos fatos.
Quando eu tinha sete anos, me encantava ler as crônicas de Henrique Pongetti,
Paulo Mendes Campos e Rubem Braga, na Revista “Manchete” (ou seria no “O
Cruzeiro”? Quem lembrar me corrija), além de Rachel de Queiroz, Carlinhos de
Oliveira, Sérgio Porto, Carlos Heitor Cony etc, que, justamente pelo caráter intermitente das
publicações, mais se voltavam para as ideias do que para os fatos. Mas também lia, na “Folha do
Norte”, na “Província do Pará”, na “Folha Vespertina”, no “O Liberal” (pois “O Imparcial”
e o “Flash” eram tabloides sanguinolentos), crônicas geniais de fatos, escritas
por Paulo Maranhão, Edgard e Edyr Proença, Paes Loureiro, Eneida, Ruy Barata,
Waldemar Henrique e outros, além das nacionais escritas por Nelson Rodrigues (“A
vida como ela é” e “À sombra das chuteiras imortais”). Depois fui para os
cronistas do cotidiano e das ideias, do século XIX e alvores do século XX, que
escreviam em jornais e grandes obras literárias (Machado de Assis, José de
Alencar, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e outros menos
votados). Dá para perceber em que caldo cultural fui me lambuzar, até chegar
aos dias de hoje. Sou permanentemente tentado a comentar os fatos bombásticos
do cotidiano, até como corolário da rapidez com a qual se dissemina a
informação; escrever sobre o hoje, o fato, a notícia e a versão. Contudo, meu
genial sobrinho, não me encanta só o prazer de ser lido, daí escrever muito
mais assuntos que transcendem os fantásticos e velozes acontecimentos do
cotidiano e veja que, de vez em quando, estou fazendo o que você me recomenda.
Me perdoe, ao vivo e a cores, mas sou tragado, sem piedade, a me manifestar
sobre a profundidade das ideias, quase sempre, mesmo que pregue para um mundo
voraz pelo econômico, fácil e rápido, o que me dá a permanente sensação de
estar falando para as areias do deserto. Contudo, se consegui me imiscuir em
meio aos pensamentos de um cara genial, como você, tudo já terá valido a pena,
Luiz Cláudio Nunes. Simples assim!
Também fujo dos modismos literários. Estou sempre reinventando minha leitura (relendo coisas interessantes muito antigas), afinal quando li aquele determinado texto minha vida tinha um sentido, hoje tem outro completamente diferente.
ResponderExcluirPor isso, também não sou movido a escrever sobre atualidades. A internet já está aí para massificá-las, mesmo que muitas delas sejam futilidades mascaradas.
Enfim, continue escrevendo sobre o que lhe der na telha.
Um dia - ou nunca, e isso REALMENTE não importa! - suas palavras serão lembradas, lidas, relidas e admiradas!