sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Bom dia para as leis brasileiras


Ah como existem leis no Brasil! Desde a Constituição republicana de 1891, entre Decretos, Decretos-lei (nas eras Vargas e Redentora),  Leis Ordinárias,  Complementares e Delegadas, existe a bagatela de 199.215 dispositivos  federais editadas no país. Isto dá em torno de 1.521 normas legais editadas POR ANO. Há explicações para isto. Como um país de colonização neolatina (e Ibérica), o Brasil prioriza a lei escrita como a fonte mais importante do Direito Positivo (ou o direito escrito de uma nação). Existem outras fontes utilizáveis como a jurisprudência (a voz dos tribunais), a doutrina (análises dos tratadistas do direito) e o costume (meio de cristalização de comportamentos sociais). Em países anglo-saxões, por exemplo, o costume é a principal fonte de formação do direito. Nos Estados Unidos, a base é consuetudinária e o “Roll of Precedents” é supervalorizado na aplicação do direito e resolução de conflitos. Contudo, pela tradição latina, a lei é tida como fonte primordial do direito. Escrever tudo, exaustivamente, e inserir numa regra geral foi a solução encontrada pelos Romanos nas codificações do Corpus Juris Civilis (direitos e deveres dos cidadãos na órbita da vida privada) e a Res Publica ou Coisa Pública (relativa aos direitos e deveres não cobertos no código anterior). O próprio Código de Napoleão tornou-se um tiro de passagem na codificação das regras jurídicas na história do mundo. Isso tudo influenciou o tratamento do direito na maior colônia portuguesa: Obrigações Manoelinas e Filipinas, Código Comercial do Império, Código Civil de 1916 (modificado em 2002), Código Penal de 1940 e, para ficar-se nos mais importantes, o Código Trabalhista (CLT), de 1942. A verdade é NÃO É humanamente possível exigir dos profissionais das Ciências Jurídicas, no país, o conhecimento pleno de todo o arcabouço legal brasileiro até porque, quando não expressamente revogadas pela legislação mais nova, as leis podem ser derrogadas (por existirem regras mais novas e conflitantes) ou abrrogadas (revogadas pelo desuso e transcurso do tempo). Mas não há como negar que ventenas de leis e atos normativos de menor monta na pirâmide de fundamentação e derivação do ordenamento jurídico pátrio, são vomitados a todo tempo. Outro problema grave é a impossibilidade da lei em acompanhar a desenfreada evolução da ciência, da tecnologia e dos conflitos sociais derivados. Quando um comportamento se torna obsoleto, a lei que o regulava entra em colapso; o mesmo ocorre com as relações econômicas,. Financeiras, comerciais, trabalhistas, sociais e culturais envolvidas. Onde a coisa mais pega é no campo dos ilícitos, civis ou penais. Enquadrar um comportamento como punível, quer na área patrimonial como no âmbito das liberdades individuais, é um desafio constante aos legisladores. O que ontem era crime (como o adultério) hoje não é mais e o que no passado sequer fazia parte do Direito Positivo (como a tutela dos interesses difusos ou os crimes pela Internet) hoje fazem parte fundamental do arcabouço jurídico do país. No entanto, o que de mais grave existe, é a formação do paradigma sócio-cultural sobre certos aspectos do direito. Ouço diuturnamente a absurda afirmativa de que existe impunidade porque não existem leis mais duras. Mesmo que o Brasil não milite no rol das nações mais sérias do planeta, no que concerne à aplicação das leis, bem verdade é que elas são entes estáticos e abstratos, isto é, em princípio, só operante quando estimuladas a tal, movidas pelos interesses complexos que explodem no contexto social. A simples existência da legislação não incentiva nem inibe qualquer comportamento. Ao contrário, leis escritas são o maior instrumento de contestação social que existe. Melhor explicando: o Código Penal prevê que se alguém matar a outrem, responderá por uma pena mínima de 12 e uma máxima de trinta anos, considerando-se fatores atenuantes ou agravantes. Note que o Código não edita um artigo dizendo “É proibido matar!”, até porque os homicídios continuariam mesmo diante de uma regra como essa. Mesmo conhecendo o ilícito e a pena, milhares de pessoas continuam a praticar homicídios diários ao redor do mundo. Qualquer diploma legal  edita normas do tipo “é expressamente proibido isto ou aquilo” e, logo abaixo, nos parágrafos, manda o paradoxo: excetuam-se das proibições acima os casos tais...”. Porra! Se é para proibir por que admitir exceções? Durante o período da Lei Seca, nos Estados Unidos, nunca se bebeu tanto naquele país. Por ser o instrumento de maior contestação social que existe, a lei sofre essa incongruência: muita gente começou a beber só de curiosidade para ver o que tinha o álcool de tão especial a ponto de ser proibido. Toda a proibição, no contexto social, gera comportamentos irracionais e contestatórios. Lá mesmo, na América, as estatísticas demonstram que os estados federados que adotam a pena de morte, nunca tiveram seus índices de criminalidade afetados para menos, pela adoção desse castigo. No Brasil existem as leis que “não pegam”. Nossos legisladores poderiam arrebentar a boca do balão nesse campo, criando punições como a pena de morte ou de prisão perpétua sem condicional, e certamente não conseguiriam mudar o fato de que pobres, negros e excluídos continuariam a ser os destacados campeões na aplicação dessas penas. Na verdade o problema não se resolve só pela criação de leis duras mas por uma melhor distribuição de renda (não essa panaceia do Bolsa Família que incentiva mulheres a parirem mais e mais sem qualquer condição para criar e educar esses filhos), mais e melhor educação e saúde públicas, melhor aparato de segurança institucional e geração de cultura de ética no trato da coisa pública. Consertar o país com leis moderníssimas mas dinamizadas por instituições falidas e carcomidas pela base é a maior Missão Impossível. Valério já levou mais de quarenta anos dos quais cumprirá menos de sete. Isto é alimentar a impunidade para a bandalheira. Tudo, no final, se resume a na boa e velha vergonha na cara, fato absolutamente inexistente nos substratos culturais do país. Nossos princípios filosóficos na aplicação da pena, onde viceja a reabilitação do apenado como finalidade precípua, nasce no modelo francês do qual nos situamos a anos-luz de distância em termos culturais. Castigar nas nossas masmorras é o mesmo que ensinar a delinquir. Pode mudar o SAM para  Funabem,  e esta para Febem até a atual Fundação Casa, que tudo continuará como dantes: crimes velhos para nomes pomposos. Simples assim!

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