Ah como existem leis no Brasil!
Desde a Constituição republicana de 1891, entre Decretos, Decretos-lei (nas
eras Vargas e Redentora), Leis
Ordinárias, Complementares e Delegadas,
existe a bagatela de 199.215 dispositivos federais editadas no país. Isto dá em torno de
1.521 normas legais editadas POR ANO. Há explicações para isto. Como um país de
colonização neolatina (e Ibérica), o Brasil prioriza a lei escrita como a fonte
mais importante do Direito Positivo (ou o direito escrito de uma nação). Existem
outras fontes utilizáveis como a jurisprudência (a voz dos tribunais), a
doutrina (análises dos tratadistas do direito) e o costume (meio de
cristalização de comportamentos sociais). Em países anglo-saxões, por exemplo,
o costume é a principal fonte de formação do direito. Nos Estados Unidos, a
base é consuetudinária e o “Roll of Precedents” é supervalorizado na aplicação
do direito e resolução de conflitos. Contudo, pela tradição latina, a lei é
tida como fonte primordial do direito. Escrever tudo, exaustivamente, e inserir
numa regra geral foi a solução encontrada pelos Romanos nas codificações do Corpus Juris Civilis (direitos e deveres
dos cidadãos na órbita da vida privada) e a Res
Publica ou Coisa Pública (relativa aos direitos e deveres não cobertos no
código anterior). O próprio Código de Napoleão tornou-se um tiro de passagem na
codificação das regras jurídicas na história do mundo. Isso tudo influenciou o
tratamento do direito na maior colônia portuguesa: Obrigações Manoelinas e
Filipinas, Código Comercial do Império, Código Civil de 1916 (modificado em
2002), Código Penal de 1940 e, para ficar-se nos mais importantes, o Código
Trabalhista (CLT), de 1942. A verdade é NÃO É humanamente possível exigir dos
profissionais das Ciências Jurídicas, no país, o conhecimento pleno de todo o
arcabouço legal brasileiro até porque, quando não expressamente revogadas pela
legislação mais nova, as leis podem ser derrogadas (por existirem regras mais
novas e conflitantes) ou abrrogadas (revogadas pelo desuso e transcurso do
tempo). Mas não há como negar que ventenas de leis e atos normativos de menor
monta na pirâmide de fundamentação e derivação do ordenamento jurídico pátrio,
são vomitados a todo tempo. Outro problema grave é a impossibilidade da lei em
acompanhar a desenfreada evolução da ciência, da tecnologia e dos conflitos sociais
derivados. Quando um comportamento se torna obsoleto, a lei que o regulava
entra em colapso; o mesmo ocorre com as relações econômicas,. Financeiras,
comerciais, trabalhistas, sociais e culturais envolvidas. Onde a coisa mais
pega é no campo dos ilícitos, civis ou penais. Enquadrar um comportamento como
punível, quer na área patrimonial como no âmbito das liberdades individuais, é
um desafio constante aos legisladores. O que ontem era crime (como o adultério)
hoje não é mais e o que no passado sequer fazia parte do Direito Positivo (como
a tutela dos interesses difusos ou os crimes pela Internet) hoje fazem parte
fundamental do arcabouço jurídico do país. No entanto, o que de mais grave
existe, é a formação do paradigma sócio-cultural sobre certos aspectos do
direito. Ouço diuturnamente a absurda afirmativa de que existe impunidade
porque não existem leis mais duras. Mesmo que o Brasil não milite no rol das
nações mais sérias do planeta, no que concerne à aplicação das leis, bem
verdade é que elas são entes estáticos e abstratos, isto é, em princípio, só
operante quando estimuladas a tal, movidas pelos interesses complexos que
explodem no contexto social. A simples existência da legislação não incentiva
nem inibe qualquer comportamento. Ao contrário, leis escritas são o maior
instrumento de contestação social que existe. Melhor explicando: o Código Penal
prevê que se alguém matar a outrem, responderá por uma pena mínima de 12 e uma
máxima de trinta anos, considerando-se fatores atenuantes ou agravantes. Note
que o Código não edita um artigo dizendo “É proibido matar!”, até porque os
homicídios continuariam mesmo diante de uma regra como essa. Mesmo conhecendo o
ilícito e a pena, milhares de pessoas continuam a praticar homicídios diários
ao redor do mundo. Qualquer diploma legal
edita normas do tipo “é expressamente proibido isto ou aquilo” e, logo
abaixo, nos parágrafos, manda o paradoxo: excetuam-se das proibições acima os
casos tais...”. Porra! Se é para proibir por que admitir exceções? Durante o
período da Lei Seca, nos Estados Unidos, nunca se bebeu tanto naquele país. Por
ser o instrumento de maior contestação social que existe, a lei sofre essa
incongruência: muita gente começou a beber só de curiosidade para ver o que
tinha o álcool de tão especial a ponto de ser proibido. Toda a proibição, no
contexto social, gera comportamentos irracionais e contestatórios. Lá mesmo, na
América, as estatísticas demonstram que os estados federados que adotam a pena
de morte, nunca tiveram seus índices de criminalidade afetados para menos, pela
adoção desse castigo. No Brasil existem as leis que “não pegam”. Nossos
legisladores poderiam arrebentar a boca do balão nesse campo, criando punições
como a pena de morte ou de prisão perpétua sem condicional, e certamente não
conseguiriam mudar o fato de que pobres, negros e excluídos continuariam a ser
os destacados campeões na aplicação dessas penas. Na verdade o problema não se
resolve só pela criação de leis duras mas por uma melhor distribuição de renda
(não essa panaceia do Bolsa Família que incentiva mulheres a parirem mais e
mais sem qualquer condição para criar e educar esses filhos), mais e melhor
educação e saúde públicas, melhor aparato de segurança institucional e geração
de cultura de ética no trato da coisa pública. Consertar o país com leis
moderníssimas mas dinamizadas por instituições falidas e carcomidas pela base é
a maior Missão Impossível. Valério já levou mais de quarenta anos dos quais
cumprirá menos de sete. Isto é alimentar a impunidade para a bandalheira. Tudo,
no final, se resume a na boa e velha vergonha na cara, fato absolutamente
inexistente nos substratos culturais do país. Nossos princípios filosóficos na
aplicação da pena, onde viceja a reabilitação do apenado como finalidade
precípua, nasce no modelo francês do qual nos situamos a anos-luz de distância
em termos culturais. Castigar nas nossas masmorras é o mesmo que ensinar a
delinquir. Pode mudar o SAM para Funabem, e esta para Febem até a atual Fundação Casa,
que tudo continuará como dantes: crimes velhos para nomes pomposos. Simples
assim!
É proibido proibir...
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