domingo, 3 de março de 2013
A moda sai de moda?
O que é a moda? De onde vem esse determinismo que anula a opção estética de cada ser individual para impor uma ditadura de formas no que deveria ser um processo de livre escolha do ser humano? Por quê, no fundo, as pessoas seguem a moda? Pior que isso, por que as pessoas que não seguem a moda são patrulhadas pelos corifeus dessa estética padronizada? Ah Deus, penso que se as pessoas pelo menos desconfiassem o quê está por trás disso tudo??????? Parece claro que, ano após ano, estações após estações, uma massa razoável de seres humanas se preocupa em saber se o que está usando é fashion ou não; se tal vestimenta ou sapato pode ou não pode; se você está in ou out, em suma, se está arrasando ou ridículo. A moda, para se destacar, criou uma linguagem super categorizada e muito próxima do paroxismo; você não pode falar seu próprio idioma ou as pessoas não lhe entenderão. Expressões como cropped, scarpin, redingote, bolero, mini, midi, maxi e milhares de outras palavras, são próprias do universo da moda e, para os iniciados, de um lado ou de outro do balcão, são dignos de piedade e misericórdia os simples mortais, como eu, incapazes de caminhar por esses campos que me soam tão estranhos e exóticos. Evidente que desde a antiguidade existiam apenas calçados e vestimentas. Coisas voltadas para proteger o ser humano das intempéries e das dificuldades normais que a sobrevivência incentivava. Parece que o uso e, principalmente, a exploração econômica de modismos surgem como filhotes espúrios da Revolução Industrial eclodida na Inglaterra, por volta da segunda metade do século XVIII. Na Idade Média, as Corporações de Ofício fabricavam tudo através do sistema de manufatura (fabricar com as mãos), artesanato. Por óbvio não existiam severos padrões de qualidade a seguir, exceto quando as Guildas, espécies de Uniões Corporativas criadas justamente para tentar impor um certo nível de estandardização, começaram a se impor e, pela vez primeira, o artesão passou a se preocupar em atingir um determinado nível de qualidade, implantado em regiões fora de seu próprio núcleo criativo, ou seja, seu cérebro. Com a eclosão das máquinas, o esforço produtivo saiu do trabalho braçal para o manual, notadamente no controle desses monstrengos movidos a vapor ou carvão mineral. Para que as novíssimas fábricas atingissem um patamar economicamente viável de produtividade, o burguês capitalista, obviamente auxiliado por uma crescente classe de engenheiros de produção e mestres operacionais, foram criadas formas de padronização que resistem no tempo até nossos dias, comprovando que o ideário capitalista é, praticamente, pós-medieval. Alta produtividade significa por em prática o princípio hedonista que sempre norteou o capitalismo: obter o máximo prazer com um mínimo de sofrimentos. Ora, transplantando-se a máxima para os programas de produção, seria produzir o máximo de mercadorias com um mínimo de custo operacional. Aí, os meios de produção (capital, trabalho, terra e tecnologia) já erigiram o primeiro princípio básico que sustenta a ideia de moda: produzir muito a um custo baixo, visando liberar o proprietário para fazer seu preço. Contudo, nada disso seria possível se as mercadorias produzidas não o fossem com mínima padronização. Daí, criaram-se dois sistemas: padronização das saídas (medidas, peso e outras características da mercadoria) que seriam exatamente iguais não interessando a quantidade produzida, se mil ou um trilhão; o outro sistema é o chamado padronização dos processos onde programam-se as máquinas para que produzam mercadorias somente naquelas medidas, pesos e características. A esse sistema, o sociólogo e filósofo alemão Max Weber, deu o nome de Burocracia Mecanizada. Em sua obra Economia e Sociedade, editada na Alemanha ainda no final do século XVIII. Weber faz a mais perfeita análise ainda hoje válida e não contestada, sobre o fato de que as burocracias mecanizadas suportaram e suportariam o sistema capitalista de produção, em todo o mundo e por todo o tempo. Fora dessa padronização não haveria como manter as prateleiras de consumo permanentemente cheias e atualizadas com as criações dos Departamentos de Ciência & Tecnologia e Desenvolvimento de Produtos, de todas as empresas capitalistas ao redor do mundo. Inclusive elas adotam o chamado sistema de destruição criativa, mola mestra capitalista e idealizado pelo economista também austríaco naturalizado Americano Joseph Schumpeter, para quem a mola de manutenção do capitalismo é descobrir quando algo está se tornando obsoleto e, imediatamente, colocar algo mais atualizado em seu lugar, mantendo a sensação de premente necessidade de um produto que, há bem pouco tempo, sequer existia. A portentosa indústria da moda nada mais fez que juntar o sistema de produção massificada em economia de escala ao de incentivo à obsolescência, até mesmo a obsolescência forçada, para criar um império que se demonstra indestrutível. Mas ainda falta examinar aonde e em que momento histórico a indústria da moda passou a juntar esses dois processos em seu favor, montando um dos mais lucrativos negócios do mundo. Ao final da primeira guerra mundial e antes de eclodir a segunda, Paris foi habitada por tribos de intelectuais de todo o mundo. Era chamada de La Cité Lumiére, feudo da Belle Époque, rincão das mentes criativas do universo conhecido. Por esse período, o mundo intelectualizado e das elites de então, passaram a usar a expressão de que Paris ditava a moda, no sentido de que as coisas que Henri Miller, Hemingway, Sartre, Simone de Beauvoir, Gertrude Stëin, Virginia Woolf, F. Scott Fitzgerald e Zelda, Anais Nin usavam eram tão importantes que deveriam ser copiados por todos se quisessem parecer atualizados e antenados com a alta cultura. Ao final da segunda grande guerra e estimulada por uma improvável vitória, a orgulhosa França de outrora passou a continuar ditando essa moda pelos seus ateliês da chamada Alta Costura. Coco Channel, Dior, Givenchy e inúmeros outros representantes. Para se ter uma ideia, em 1946 existiam em Paris 106 Maisons de Haute-Couture. Todas as mulheres "poderosas" do mundo obrigatoriamente se vestiam sob esse paradigma. Ocorre que, como se tratava de produção artesanal, cada peça custava uma fortuna e afastava as novas classes médias assim como os chamados Nouveau Riche, do acesso a essas produções individualizadas. Nesse exato momento, grandes costureiros e seus seguidores como Cardin e até de outras plagas como Armani, Balenciaga, Oleg Cassini etc principiaram, ainda timidamente, a produzir peças "exclusivas" mas endereçadas a clientes até então não existentes, inventando o prêt-à-porter (pronto para levar) só que com assinatura das Maisons. Pronto! Estava criado o pano de fundo para unir moda, à burocracia e esta ao capitalismo mais desenfreado que se conhece. O passo seguinte seria disseminar, através das mídias potentes como as revistas especializadas, o cinema e a televisão, hoje fortalecidas pela internet e mídias sociais, a sensação subliminar de essencialidade e necessidade, algo do tipo: Deus me livre sair de casa hoje sem aquele pretinho básico e minha sandália murrrffff! A vestimenta até então utilizada como efeito demonstração das posses do usuário, desfilando seus produtos de altíssima elasticidade-renda, subiu o morro, desculpem, as comunidades e popularizou-se ainda que em camadas estratificadas, como usual no sistema capitalista. Logo, você, meu caro ou minha cara, que hoje se preocupa em saber as tendências ou se o que está usando PODE ou NÃO PODE, nada mais faz do que enriquecer um enorme manancial de espertos que depende exatamente de você, ainda que nem você perceba isso. E saiba que ela veio pra ficar, já que a humanidade respeita, mais do que os papéis que você desempenha em sua vida, o status que você demonstra. Simples assim!
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