sábado, 25 de maio de 2013

As lápides anônimas!


Existem pessoas que, por razões muitas vezes incompreensíveis, são condenadas à morte e executadas friamente e, por espantoso que seja, PERMANECEM VIVAS! Falo dos velhos abandonados, física, psicológica, financeira e socialmente à sua própria sorte. Eu mesmo conheci e tive amplo e profícuo contato com esses mortos-vivos. Gente que gozava de respeito e admiração em seu meio que, às vezes por um deslize, são incineradas no altar da vida. Amigos, famílias, meios pelos quais se movia, de repente, se escondem e até pessoas que os prestigiavam ou ainda precisavam deles, colocavam-nos em um limbo de absoluto silêncio e abandono. Como Descartes, “Penso, logo ele não existe”! Cruzaram em minha vida velhos famosos nessa condição e Deus me concedeu a supina graça de amá-los, respeitá-los e dar-lhes a coisa mais importante que de mim pediam: um pouco de atenção. Apesar de não ser usual nos dias de hoje, aprendi a me interessar pelo que me ensinavam. Suas histórias de vida. Minha bisavó Cunhã, morou conosco até um ano antes de morrer, com 94 anos quando escolheu ir para o Pão de Santo Antônio, vivendo com suas velhas amigas, todas, como ela perto de cem: Lulú, Donana, Da. Sofia... Mas tive tempo útil para, entre seis e dez anos, ouvir suas histórias VIVIDAS sobre o Batalhão de Voluntários de Itapipoca marchando na principal avenida da cidade. A caminho da Guerra do PARAGUAI. Sua admiração pelo “maior governante da História do Brasil”, sim, apenas D. Pedro II a quem viu em Fortaleza descendo da Catraia Imperial e andando pela avenida principal (hoje, do Imperador) a metros de distância de seu êxtase, junto com Da. Tereza Cristina (Terezina), Princesa Izabel e seu marido, o Conde D’Eu. Quer mais ou já tá chorando, como eu? Seu genro, meu amado Cacá, um dos mais sensíveis homens que conheci. Também morava em casa, até os 81, quando mudamos pra Brasília e ele ficou com Tio Celeste e Tia Lili morrendo, hoje sei que de banzo, aos 84. Falava francês e latim vulgar. Escrevia em Latim clássico. Um poço de sabedoria no qual eu bebia gulosamente mesmo nos dias de sábado à noite quando todos meus amigos estavam na esbórnia. Meu tio-avô Belarmino, gostava de falar e contar histórias com detalhes. Puxei a ele o meu memorialismo. Ele dava datas, horas e referências e eu babava em sua volta. Um místico, espírita, maçom do mais alto grau, chegando a Sereníssimo de todas as Grandes Lojas do Pará, umbandista e, por último, andou visitando igrejas evangélicas por instância de meu tio Abreu, português como ele, um maravilhoso contador de causos da Serra da Estrela. Meu Deus, que saudade da sabedoria deles! Meu tio Sérgio, velhinho, cabecinha branca. Visita obrigatória em seu asilo na Penha, quando ia ao Rio. Me aproximava fazendo a saudação comunista, punho direito fechado e braço levantado e ele, trêmulo, respondia com lágrimas de emoção. Genioso, matou quatro ao longo da vida e jogou dez Guardas Civis de Belém que tentaram prendê-lo, na Baia do Guajará. Comigo era um doce. Que sorte eu dei na vida! Tinha dez anos e já ia sozinho a Bento Ribeiro, sábado cedo e voltava domingo à tarde para Copa. Ia ficar o fim de semana com meu tio Jerônimo (Mundico), sua mulher Lídia (tia Lili) e sua cunhada Felicidade (tia Feli). Pegava o 12, ia até a Central do Brasil e o resto ficava por conta das histórias da Revolução de 32 na Serra da Mantiqueira e nosso TV Rio Ringue, das 10 a uma hora, que tia Lucy não me deixava ver, mas eles sim. Faziam para eu comer o que lhes pedia e deixavam eu andar no quintal montado no jabuti. Foram largados em vida por quase todos. Eu era um dos poucos que me babava com suas histórias. É! Esses meus velhos inesquecíveis; como sinto a falta deles. Uma falta que pouca gente sentia mesmo quando ainda eram vivos, mortos-vivos, como se habitassem cemitérios abandonados onde nomes e datas foram apagados das lápides. Simples assim! Perdão mas não deu pra escrever menos!

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