Ah as coisas que
deixamos de fazer! Já é lugar comum ouvirmos dizer que devemos nos arrepender
pelo que deixamos de fazer não pelo que fizemos. Apesar de motivo estranho e muito
pessoal para servir de mote a uma crônica e ainda considerando o fato de que
não sou “celebridade”, mesmo assim gostaria de deixar registrado para a
posteridade, meus desejos insatisfeitos no tempo de uma vida. Vamos lá para as
coisas que gostaria de ter feito antes de morrer, não fiz e acho que não vou
fazer, pois sinto que já são muito
improváveis hoje. Pular de paraquedas e dar um voo de asa delta, já que sou
ferrenho crítico de todos os chamados esportes radicais, chegando a ansiar por
finais infelizes (do tipo torcer para o leão comer o domador), todas as vezes
que alguém arrisca a vida em troca de um uh huuuuuuu! Entrar em campo no antigo
Maracanã, com quase 200.000 pessoas, num domingo de sol, junto com o time do
Vasco em uma final de campeonato contra o Flamengo. Fazer meu doutorado (PhD) e
pós-doutorado na Universidade de Stanford, na Califórnia, recebendo a aprovação
da Tese com a menção suma cum lauda.
Aqui cumpre explicar que PhD (Philosopher Doctor) é um título exclusivo para
quem defende uma tese de doutorado em UNIVERSIDADE NORTE AMERICANA. Não existe
PhD fora dos Estados Unidos. Na Grã-Bretanha é DPh (Doctor in Filosofy), ou
seja doutor na filosofia da disciplina escolhida. Logo, não há PhD tirado em
qualquer outro país do mundo, inclusive no Brasil, onde se usa o título de
Doutor ou Professor Doutor. Desvirginar uma mulher pois, conscientemente, não
tenho a certeza de ter feito isso alguma vez na vida. Se fiz, não percebi. Visitar
o Egito, a Índia e o Himalaia, terras onde reside a origem de todo o misticismo
antigo. Ter presenciado a uma pregação de Jesus Cristo. Perguntar a Marx por
que ele chamou sua genial construção filosófica de Socialismo CIENTÍFICO quando
a ciência é o único tipo de conhecimento refutável. Passar, pelo menos um dia,
na presença dos meus mortos mais amados: Tio Ernane, Tio Edmundo, Tio Celeste.
Tio Belarmino, papai, mamãe, André, minha prima Ilma e meu saudoso Anfrísio.
Todos juntos fazendo uma “igrejinha”, tomando uma gelada e terminar jogando uma
canastra uruguaia. Morar na mesma cidade que meu amigo Cássio. Publicar um
livro dos treze científicos e um de poemas que produzi e nunca consegui mandar
para o prelo. Voltar no tempo ainda a ponto de desfazer a maior idiotice que
realizei em toda a minha vida, que foi acabar com meu casamento, praticamente
jogando fora o amor de três filhos meus. Nunca ter fumado ou entrado em um
cassino clandestino para jogar minha saúde fora. Surfar uma pororoca como meu
pai fez, viajando sozinho e em noite escura, em uma lanchinha voadeira da
Petrobrás, na foz do Rio Amazonas, mais precisamente entre as costas da Ilha de
Marajó e do Amapá. Fazer um périplo de volta ao mundo em um desses transatlânticos
supermodernos. Ler todos os livros que
deixei de ler. Com a velhice, exacerbar minhas virtudes e diminuir meus tantos
defeitos. Ter nascido mulher só para ter útero e ovários, podendo parir um
filho e compreender como é, na realidade, o universo feminino. Conversar com as
pessoas que conseguiram resistir a forças muito mais poderosas e venceram, como
Ho Chi Min, Giap, Fidel, Mao, Samora Machel, Mandela, Bolívar, Tito e outros
menos votados, ainda que tenham usado mal o poder, posteriormente à vitória. Ter
a genialidade histriônica do Anfrísio Nunes e a genialidade empreendedora de
seu irmão André Nunes. Visitar os poucos rincões que não consegui atingir, em
todo o Brasil. Passear de mãos dadas com uma velha que me ame romanticamente,
em uma pracinha do interior. Ter feito mais terapias psicológicas do que fiz.
Ser mais humilde. Comer algum manjar desconhecido em qualquer parte do mundo,
pois comi tudo o que me apresentaram como comestível e gostei! Bater um papo
com uma Carmelita Descalça, fora do claustro, para entender por que ela
entregou sua vida à Igreja sem sequer poder ministrar um sacramento. Ter
assistido, de uma colina e com potente binóculo na mão, aos quase quatro dias
de duração da Batalha de Gettysburg, na Pensilvânia, aquela que decidiu
antecipadamente o destino da sangrenta Guerra da Secessão Norte-Americana. Cavalgar
um dia com Gengis Khan, Amilcar e Alexandre o Grande. Ter descoberto a
identidade de Jack, the ripper. Visitar a floresta tropical da Costa Rica,
percorrendo-a do Atlântico ao Pacífico. Falar fluentemente cinco idiomas. Andar
um dia pelo Saara. Evitar o desastre que matou Albert Camus. Ter vivido em
Paria nos anos vinte, sentando numa mesa de bar com Sartre, Simone, Anaïs Nin,
Gertrude Stein, Virginia Woolf, Hemingway, Henri Miller, F. Scott e Zelda
Fitzgerald, Ezra Pound e James Joyce. Tá bom pra vc? Ser assistente de direção de Lang, Eisenstein,
Kurosawa, Ford, Buñuel e Glauber. Rever todos os filmes nos quais chorei por
algum motivo: tristeza, emoção e de rir. Ouvir minhas velhas fitas k-7,
gravadas ao longo de minha vida. Assistir ao “rapto” da Igreja e subir junto. Rever
todos os poucos mas enormes amigos que cultivei e não mais cultivo. Tocar piano
como César Camargo Mariano, Luiz Eça, Wagner Tiso e Luiz Carlos Vinhas (um mix
deles todos). Quero pouco, né? Gravar um CD de bossa-nova. Continuar a fazer as
pessoas rirem , até meu fim neste plano. Dar aulas de pós-graduação até perder
minhas forças. Não morrer afogado no seco. Assistir ao soerguimento do Vasco
como o maior time do Brasil, como era nos anos 50, quiçá um dos maiores do
mundo, hoje relegado a um terceiro plano no futebol brasileiro, pela
incompetência de um grande ídolo (que na verdade conclui um processo iniciado
há muito tempo) que sabia, como poucos, fazer muitos gols mas NADA entende de
Administração. Ser amado e possuir a felicidade possível, aquela que a gente
planta pra depois colher os frutos, bons ou maus. Simples assim!
Muito bom, papai!
ResponderExcluirAcredito que algumas delas ainda são possíveis SIM nessa vida, nesse plano.
O importante é sonhar em poder realizá-las. Deixar de sonhar é que é a merda!
Infelizmente, meu filho, neste estado que estou, nem sonhar é mais possível. Vê-se que vc não tem a mais pálida ideia do que estou passando. Mas vou poupá-lo até o fim. Firme!
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