Costumava, quando estava abonado, comprar duas latinhas de Schin em uma loja de conveniências aqui perto de casa, aos domingos, ao preço de dois reais cada. Há três semanas entrei, peguei as latinhas e entreguei à Caixa os quatro reais quando ela me falou: Aumentou para 2,60. Evidente que aquela simpática mocinha não estava tendo a menor compreensão de que seus patrões, de uma penada, haviam reajustado o preço das latinhas de Schin em absurdos TRINTA POR CENTO, isso sem qualquer evento econômico que justificasse tão enorme alteração, do tipo aumento de custos ou da demanda. Imediatamente optei pela saída de praxe para os bens de procura elástica: encontrar substitutos. Daí encontrei a Cerpa Draft por 1,50 e acabei feliz por escapar daquele reajuste inconsequente, afinal, a melhor cerveja é sempre a mais gelada. Todavia me quedei por perto vendo o comportamento de meus colegas consumidores, evidentemente bem mais apaniguados que eu. Pasmem, todos compravam as suas marcas de preferência, todas reajustadas bem acima de qualquer perspectiva de alta inflacionária. Ninguém reclamou, todos ingressando em vistosos e reluzentes carros do ano e dane-se o mundo. Acendeu a luz amarela na minha cabeça e comecei a verificar, em minhas circunstâncias, a repetição do fenômeno. No supermercado TODOS os produtos haviam sido reajustados. Os de menor valor com maiores altas pois o brasileiro é inerte (e inerme) a aumentos em centavos. Conversei com as pessoas em meu redor e quase todas não reclamavam, fieis ao princípio de que “só subiu alguns centavos”, mesmo que o acréscimo tenha superado os cinquenta por cento. De repente, acordei para verificar os preços no self service e verifiquei que, no primeiro semestre, o quilo passou de 19 para 25 reais, ou seja, um reajuste de 32% de uma só penada. Hoje acendeu a luz vermelha quando, assistindo a uma matéria no jornal televisivo matutino, vi meus conterrâneos já comprando sofregamente enfeites de Natal e uma senhora falou: Não vou levar nada pois está muito mais caro; ano passado paguei 47,00 pelo pacote todo e hoje está saindo por cerca de 80,00, digo eu, exatos 70% de aumento. Meu espanto foi maior ainda quando alguém do DIEESE local foi ouvido e afirmou que aquele aumento se devia à alta do dólar e (ouçam bem) à inflação. Pela primeira vez ouvi um técnico usar a inflação como causa de aumento da.....inflação. Me tirem o tubo! Percebi que a conquista mais sensacional das últimas décadas e conseguida ainda nos anos 90 estava indo pelo ralo: a volta da cultura inflacionária! O Plano Real, sem ser panaceia ou mágica, ao inocular o remédio das URVs, na verdade conseguiu fulminar essa malévola cultura que nos permitia conviver com o fenômeno sócio-econômico mais hediondo com o qual nos envolvíamos e que era a hiperinflação. Como o PT encontrou uma casa bem arrumada no campo da disciplina fiscal e orçamentária, com metas de superávit primário bem altas, ao perceber que isso trazia efeitos colaterais impopulares veio, ao longo do governo Lula e prosseguindo na administração da Dilma, aumentando estupidamente os gastos públicos, reduzindo os percentuais do superávit e a taxa SELIC, todas essas medidas possuindo altos teores de nitroglicerina inflacionária, aquecendo perigosamente o consumo, notadamente de produtos importados. A taxa de investimento é pífia, a indústria regride e a economia só se mantém ainda operante através de renúncias fiscais direcionadas, além da política de preços irreal no campo dos combustíveis, desatrelada dos valores internacionais mas fulminando perigosamente o valor das estatais ou mistas de energia. Todas elas medidas conjunturais enquanto a estrutura econômica do país mergulha em um evidente processo inflacionário tão mais perigoso quanto menor é a sensibilidade popular à alta de preços, na verdade, apenas uma das consequências do dragão. Inflação é um problema grave e de múltiplas causas. As mais conhecidas, pela Teoria Econômica, são a explosão do consumo sem consequente incremento da produção, gerando emissão de moeda que fica solta no mercado, retornando a ciranda da especulação financeira e a inchação (ou inflación) do meio circulante. Outra causa inflacionária bem estudada é a alta de custos incidentes sobre os insumos, muitas vezes especulativa, como no caso da cerveja, onde, certamente, nenhum item da cesta de seus insumos produtivos terá merecido uma subida de 30%. Existem ainda outras razões sempre especulativas para o retorno da inflação, sendo uma delas a chamada economia gregoriana muito entranhada na caixa preta do consumidor, aquela onde os acréscimos de preço vêm acompanhando datas importantes, daí o nome de gregoriana (ou do calendário gregoriano). Natal, ano novo, carnaval, época do Círio aqui no Pará e, principalmente, a passagem do ano: aqui no Brasil há um costume que nem o Plano Real conseguiu destruir por inteiro: a síndrome de aumentarem os preços no primeiro dia de janeiro. O fenômeno da Copa do Mundo no Brasil em 2014 e da Olimpíada no Rio de Janeiro, em 2016, já colocou os preços nas cidades-sede em patamares dos quais jamais serão derrubados. É um absurdo o quê, por exemplo, se está pagando pelos serviços na cidade do Rio de Janeiro: manicuras, cabeleireiros, cinemas, teatros, hotéis, alimentação, lazer em geral etc. O que me apavora não são as altas em si mas, principalmente, a insensibilidade dos governantes e dos governados, a falta de reação diante desse fenômeno acachapantemente destrutivo. Às vezes me manifesto, mesmo educadamente, protestando com quem posso: proprietários de negócios mais humildes, caixas, atendentes e até gerentes. Noto que eles, muito ao contrário de ecoar meu desespero, demonstram profundo enfado do tipo: lá vem aquele velho chato reclamar dos preços! Mal sabem eles que a corda, nesse e em todos os casos, vai sempre romper do lado deles, das classes menos favorecidas, as maiores vítimas de um fenômeno que lhes rouba o poder aquisitivo do salário a cada hora que passa. Só não vou silenciar e gostaria que todos entendessem que o boicote e a troca de estabelecimento ou produtos, ainda é o último baluarte efetivo nessa luta. Simples assim!
Muitissimo válido querido mestre! Tudo ainda continua no mesmo lugar por existirem tão poucas pessoas inteligentes e atentas e inconformadas como você!
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