sábado, 17 de novembro de 2012

Máçal Kheir a todos.

Quando mudei pra Brasilia, em 1964, logo após a chegada de meus pais vindos de Belém, já em 1965, ela apareceu lá por casa, vendendo roupas usadas: camisas volta ao mundo, camisetas e cuecas de algodão, calças de naycrom. Todos os sábados e uma vez por mês lá vinha ele bem baixinho, quase arrastando suas inúmeras e enormes sacolas pelo chão. Era o Jamal, um Palestino de cerca de 45/50 anos (nunca falou a idade pois dizia que nunca fora informado disso). Cara grande, como todo o árabe, nariz adunco, cabelos encaracolados e já branqueando nas têmporas, fala mansa e entrecortada num sempre presente sotaque árabe (belo amor de Deus, bara com isso etc.). Olhos muito pretos, expressivos e bonitos. Jamal vendia para todo o prédio (o Flávia Hilka, na 311 sul) e por todos os arredores da W-3. Conversava com todo mundo e nunca vendia à vista. Gênio do marketing, já percebera que quem deve sempre compra mais alguma coisa, fiel a Lei de Jean Baptiste Say, um economista clássico francês que, em pleno século XVIII, afirmara que é a oferta que cria sua própria demanda, já antevendo o consumismo dos nossos dias. Jamal era muito simpático, levemente extrovertido mas jamais aceitava um convite mais carinhoso como meus pais faziam para que almoçasse conosco. Até que um dia  caiu um enorme toró e ele foi ficando até ser abatido pela insistência de minha mãe. Sentou em nossa mesa, redonda para não ter cabeceiras e coroar egos, titubeando muito até atender aos reclamos de meu pai e meu irmão André, para que contasse sua história de vida. Falou pausadamente, como sempre fazia, uma longa narrativa que durou cerca de uma hora. Os olhos brilhavam ante as lágrimas contidas. Claro que não vou repetir a história inteira pois ninguém terá saco de me ler, mas digo a frase final que guardei e guardo até hoje: "Morava na Palestina com meus pais e irmãos, numa casa de pedras que era de nossa família há séculos, até o dia que Chegaram em casa um Comissário da ONU, oficial inglês, junto com um Rabino judeu, dizendo a meu pai que nossa casa agora fazia parte do território do novo Estado de Israel. Meu pai morreu combatendo isso e eu tive que fugir para o Brasil! Pano rápido e bom FDS a todos os não-palestinos do mundo.

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