sábado, 10 de novembro de 2012

Bom dia para os navegadores portugueses.


Ah esses navegadores portugueses! Quando eu ainda estudava o antigo Ginasial, no Colégio Marista de Belém (1959), um colega de sala viajou a Portugal nas férias, para conhecer a família de seu pai. É fato de que quase todos os paraenses descendem de portugueses, índios ou africanos e dessa mistura grossa. Na volta, a primeira coisa que fez foi reunir os colegas mais chegados, eu junto, para dizer de seu espanto sobre o que ele classificou como uma comprovação da burrice portuguesa, representada numa inscrição numa lápide sobre uma pedra, no Cabo da Roca, em Sintra, ponto mais ocidental da Europa e que diz, parafraseando o Canto III, dos Lusíadas, de Luiz de Camões: Aqui...onde a terra se acaba e o mar começa! Todos gargalharam em minha volta, alegando um pleonasmo, uma repetição do óbvio, uma legítima estupidez portuguesa. Confesso que não ri. Tinha dois avós, vários tios e primos portugueses e me incomodava esse desrespeito. Apesar de meus onze anos logo fui pesquisar o que significava aquilo e não demorei a descobrir. Tento resgatar essa injustiça de minha adolescência, perpetrada por jovens descendentes de portugueses e justamente contra a maior grandeza da santa terrinha: a bravura do seu povo! Na verdade tudo começa no Egito, 3.000 anos antes de Cristo, com a navegação em barcas de junco (o papiro) pelo Mares Mediterrâneo e Vermelho, sob a influência do Faraó Snofru. Mas é com os Fenícios, por volta de 1.500 a.C., povos essencialmente mercantis da costa norte da África, lá por onde hoje fica o Líbano, Norte de Israel e Síria, que galés birremes parecem ter partido para além dessas fronteiras de água, chegando até as costas do Brasil (Rio de Janeiro e Sete Cidades , no Piauí). Estava descerrado o primeiro mistério sobre a Atlântida que não deu vestígios de existência nessa primeira viagem. Os nórdicos (vikings), em suas naus extremamente velozes e construídas para navegar, com a mesma eficiência, em águas profundas ou rasas, as drakar (dragões) e snakar (serpentes), estabeleceram, já no século X, bases nas Ilhas Britânica, Groenlândia, Islândia e América do Norte. Só para se ter uma ideia da genialidade desses povos do mar, a quilhas de seus navios era retrátil, coisa muito difícil de entender como é possível isso, há tantos séculos atrás. Maravilhando-me com esses feitos, dei com os costados na genialidade da Ciência Náutica Portuguesa, que se desenvolve a partir do Século XII, através de invenções e adaptações formidáveis. A invenção das caravelas de um, dois ou três mastros, chegando a deslocar DUZENTAS TONELADAS, com uso da vela latina triangular, permite aos portugueses a façanha de “navegar à bolina”, ou seja, avançar o barco em ventos desfavoráveis, ziguezagueando, praticamente, contra o vento. A “idiotice” dos portugueses era tamanha, que geraram o desenvolvimento de instrumentos de navegação já conhecidos, notadamente pelos povos semitas, como os astrolábios e quadrantes aos quais se somaram a bússola chinesa e os sextantes. Posteriormente, a criação das Naus patrícias, trouxe à baila navios de 120 bocas de canhão e até 2.000 T de deslocamento. E estamos falando da passagem dos séculos XIV para o XV. Antes, a “burrice” portuguesa já criara os Pinhais de Leiria, plantação de pinheiros em 1.741 km2, feita por D. Afonso II ou D. Sancho II (e não D. Dinis, como se imaginava) no século XII, para proteger os terrenos marítimos da degradação, gênese da portentosa indústria naval portuguesa, não só pela madeira abundante como pela pez (alcatrão vegetal retirado dos pinheiros e que eram usados na impermeabilização dos navios). Além disso, o Infante D. Henrique, no século XV, rodeou-se de marujos experimentados e cientistas,  criando um grande estaleiro, com enorme galpão, que ficou imprecisamente conhecido como Escola de Sagres, na Vila do Infante, e que, na verdade, se tratava de um local físico onde se discutiam assuntos como novos métodos de navegação, desenhos de cartas náuticas e adaptação de navios às condições de navegação extremamente adversas para a tecnologia existente. Foi lá que nossos corajosos ancestrais modernizaram o Mapa Mundi do Almirante Turco Piri Reis e assentaram as bases para o início do ciclo de navegações planetárias e grandes descobertas. Tente imaginar, mesmo de relance o que seja navegar meses entre calmarias e tempestades que chegavam a durar duas semanas, ora com mansidão ora com vagas de vinte ou trinta metros de altura, sem gelo, GPS ou eletricidade, carregando os víveres que pudessem ser conservados no sal, pescando diariamente para sobreviver, em pequenas cascas de noz balançando sob a intempérie, água escasseando, escorbuto grassando entre a tripulação. E isso seria até muito fácil não fosse o temor do desconhecido. Quantas vezes você já enfrentou um caminho físico que nunca trilhou antes? Teria coragem de enfrenta-lo mesmo sabendo que  ele ia dar em um local que nunca ninguém antes foi? Ou pior: teria coragem de enfrentar a CERTEZA de que provavelmente você morreria antes? Pois saiba que o conhecimento humano ajuntado até aquela época asseverava que você iria atingir um Mar chamado de Tenebroso, onde sempre haveria noite e o sol nunca brilharia; em outros locais habitariam serpentes e monstros gigantescos prontos a engolir navios inteiros; na linha do equador o calor era tão grande que nenhum ser humano havia suportado sem entrar em combustão espontânea????? Que tipo de liderança era aquela que os Almirantes portugueses possuíam, a ponto de convencer seres humanos, duros, analfabetos, ignorantes e temendo cada dia da jornada, a prosseguir nela? Que promessas eles faziam a esses rudes marinheiros, muitos separador de raparigas e filhos pequenos, os quais só uma certeza tinham: a de que o mundo era um disco e o mar terminaria em uma imensa cachoeira que tragava a todos. Mas eles seguiam mar adentro tocados por um sentimento que já não existe: a coragem, a bravura de nosso irmãos portugueses, aqueles ignorantes e idiotas aos quais devemos o conhecimento do mundo como hoje a realidade o concebe. Muitas vezes me achego à praia, quando pude e posso, geralmente nos fins de tarde e solitário, para sentir passando perto de mim as figuras de Gil Eannes (primeiro a navegar além do Bojador, em 1434), Bartolomeu Dias (o primeiro a ir além da Angra dos Ilhéus), Vasco da Gama ( o primeiro a dobrar o Cabo as Tormentas, rebatizando-o para Cabo da Boa Esperança, em 1497), Pedro Álvares Cabral (atingindo as costas do nosso Brasil, em 1.500) e, principalmente, Fernão de Magalhães, o primeiro a sair de um porto europeu e ir para o ocidente, cruzando o Cabo Horn na Terra do Fogo, subindo pela Oceania, até a costa da Índia e voltando pelo Índico e Atlântico (já sob o comando de Juan Sebastián Elcano, pois o Almirante morrera no longo périplo de três anos. Sinto suas silhuetas gigantescas; pasmo diante de sua bravura e penso que, afinal, só me resta dizer: navegar é preciso, viver não é preciso. Como meus colegas não perceberam o quanto de coragem e desassombro havia naquela frase, a qual hoje sempre choro ao repetir: aqui onde a terra acaba e o mar começa! Simples assim!

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