domingo, 2 de junho de 2013
Prioridades.
Não podem existir prioridades. Prioridade vem do latim prior, que quer dizer primeiro. Logo, há um único primeiro. Quando cumprido ou realizado, passa-se para o segundo que, automaticamente, ocupa então o lugar de prioridade. Desde muito criança Tia Carmita me levava ao Museu Paraense Emílio Goeldi, um pedaço da floresta amazônica incrustada no meio de Belém. Adorava visitar a parte antropológica com suas cabeças mumificadas de guerreiros indígenas de tribos antropófagas, assim como os inúmeros utensílios de tribos perdidas no tempo, hoje muitas já extintas. O grosso tronco para transmitir sinais para formar as mensagens me fascinava, assim como a parte de taxidermia com seus enormes animais empalhados mas tão reais. Mas o que me arrebatava de prazer era o parque zoológico com as milhares de espécies amazônicas. O ensurdecedor barulho das araras e ariranhas as constantes sacanagens dos diversos tipos de macaco, principalmente os de cara branca; a mansa placidez das imensas antas, onde escrevíamos nos lombos parecendo um quadro marrom, com a ponta dos dedos; o silêncio do serpentário; os jacarés-açus de mais de seis metros; as pintadas e suçuaranas sempre com aquele olhar insondável; os enormes peixes-bois, comendo o capim aquático que brotava na folha d'água e sua cara de vaca inconfundível; os gaviões reais, o condor amazônico e o urubu-rei convivendo pacificamente no mesmo espaço. Era uma grande viagem no melhor sentido do termo. Ia esquecendo o aquário, onde nos maravilhávamos com as piranhas e pirarucus de mais de cem quilos usando o mesmo espaço que pacus, tambaquis, tucunarés e acaris-cascudos. As cotias passeavam soltas, às centenas, sem que ninguém as incomodasse ou alimentasse. Isso era a magnitude de criança amazônida. Quando voltei, foi a primeira obrigação que cumpri com prazer inexcedível. Na visita de meus filhos ou amigos, à cidade, a visita ao Museu era minha atração número UM, no rol de visitas iniciais do sightseeing. De repente, alguém me chamou a atenção sobre as coisas de que eu falara mas não se encontravam com facilidade. Só então acordei para o fato de que NÃO MAIS SE ENCONTRAVAM! O peixe-boi morreu; o urubu-rei, de mais de 20, virou um único espécime hoje em tratamento veterinário e separado; as onças estão distantes e isoladas; o aquário está em obras pelo menos desde que cheguei aqui, há mais de dois anos; o serpentário tomou doril; até a gruta dos murucututus, corujas amazônicas que voavam junto com morcegos na horripilante imitação de caverna, desapareceram sem paradeiro anunciado. Já morto de vergonha e raiva, por estar bancando o mentiroso ao anunciar atrações que eles nunca viam, tomei coragem e fui ao Ouvidor-Geral da Instituição. A Ouvidoria, pasmem, havia sido instalada naquele dia mesmo de minha primeira visita. O Ouvidor era um jornalista jovem e bem intencionado. Conforme eu perguntava sobre cada detalhe ele ia demonstrando uma grande admiração pelo fato de, segundo ele, eu conhecer mais que ele sobre a Instituição. Passado um momento inicial de informalidade, engatamos um animado papo entre ele, eu, meu filho Luís Paulo e minha nora Lorena. A folhas tantas ele me fala em off, que passa, a partir de agora, a não ser mais tão off, que depois da transferência da propriedade e administração do Museu para o CNPq, a decadência sobreveio aos borbotões. E coroou nossa conversa com uma sentença fatal: pra essa gente de Brasília, história, cultura, memória e preservação desses valores nunca esteve entre sua "PRIORIDADES". Pano rapidíssimo e fechando sobre o desencanto de meus queridos defensores incondicionais de tudo que vem da sigla. Agora fecho eu, no rascunho, borrão e no popular: isso não dá voto, prestígio e grana, principalmente, muita grana. Sem ideologia! Simples assim!
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