terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Eutanásia?


A mídia, como sempre, labuta em engano ao afirmar, diuturnamente, que aquela senhora que se passa por médica, no Hospital Evangélico de Curitiba, praticou eutanásia contra muitos pacientes da UTI que dirigia, sob o pretexto de "limpá-la" e obter vantagem de não identificados Planos de Doença (erroneamente chamados de Planos de Saúde), abrigando os SEUS moribundos em detrimento dos pacientes do SUS. Na verdade não se trata de eutanásia. Essa palavra decorre da união de dois radicais gregos: eu (bom, agradável) e tânatos (morte). Logo, a eutanásia é uma prática milenar voltada a aliviar o excessivo e insuportável (para os que morrem e para os que assistem) sofrimento, propiciando uma passagem indolor deste para o outro mundo. Ora a eutanásia seria praticada em doentes em coma profundo, pelo próprio médico desgastado em presenciar tanta miséria da condição humana. Em outros casos, os prórpios pacientes já sentem a ausência de resposta aos tratamentos, tão doloridos quanto a própria doença, e imploram pela "boa morte". A médica (sic) em questão está sendo acusada de homicídio doloso, quando o agente quer o resultado morte ou, pelo menos, assume o risco de produzi-lo. No primeiro caso tem-se o dolo direto (que me parece ser a hipótese dos crimes da UTI, se comprovados) e, no segundo, o dolo eventual (que também pode ter sido praticado por outros médicos e pessoal de enfermagem e auxiliares que silenciaram ao detectar o problema). Além de homicídio doloso, ainda devem ser adicionadas à acusação certas condições agravantes do crime, tais como o cometimento de tocaia, por motivo torpe e impossibilitando à vítima qualquer chance de defesa. O homicídio já é uma prática odiosa quase apanágio da raça humana já que os animais podem até matar os mesmos de suas espécies em caso de muita fome ou ameaça à sobrevivência. Mas matar por matar, dar o tiro ou a facada só para ouvir o barulho do corpo caindo no chão, isto só os humanos fazem. E o problema assume caráter mais odioso quando a motivação do homicídio reside em vantagem pecuniária ou para satisfazer paixões humanas como poder, inveja, ressentimento, ambição ou posse. Já vi coisas brutais como essa ao longo da vida. Continuo não compartilhando ou processando bem certos aspectos e direitos dos assassinos, em tese, tais como o sagrado e amplo direito de defesa que leva advogados à frente de microfones para vociferar que beltrana sempre exerceu sua medicina dentro dos melhores padrões éticos, quando existem já cerca de dezenas de depoimentos em sentido contrário, até de profissionais da área da saúde e que já deveriam ter se manifestado há tempos. As vítimas e seus parentes não são versadas em medicina e pouco podem fazer quando se tranca uma porta de UTI, assim como as dos Centros Ciirúrgicos, e lá dentro as coisas fluem de um modo eternamente protegido por um manto de silêncio e conformismo. Por outro lado, parece singular, na altura em que está a coleta de provas para arrimar o inquérito policial, aparecer o Diretor Médico do Hospital botando toda a "banca" do mundo, saindo da encolha talvez ao se sentir já não tão inseguro, e começar a defesa apaixonada da profissional já afirmando coisas do tipo "não é possível que estejam sendo assacadas tantas acusações sobre uma profissional correta em tantos anos de prática médica". Então tá! Quer dizer que ninguém pode começar a praticar crimes em função da limpeza e higidez de seu passado? Não, cara pálida, a contingência do ato criminoso pode surgir do nada, pouco ou nunca importando o currículo do criminoso, sua conduta anterior. Mesmo não sendo médico já dirigi hospital público e privado e jamais consegui qualquer informação de dentro de uma UTI ou de sala de cirurgia quando alguma suspeita de erro médico surgia. Enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, instrumentadores, circulantes e serventes escalados para determinado ato cirúrgico, possuem, perto da saída do Centro, um livro de atas sempre aberto para anotar intercorrências e fatos extraordinários havidos durante o ato cirúrgico. Pelos quase quatro anos que passei no ramo, sempre me intrigavam aquelas páginas permanentemente brancas, alvas e virgens como a pureza da medicina, ainda que, cá e acolá, ouvisse falar de gazes, compressas e instrumentos esquecidos dentro dos pacientes. Mas o livro continuava branquinho como a "de Neve", do conto de fadas. No fundo, a esses criminosos, chamados de suspeitos pela mídia patrulhada por um "direitismo humano" que viceja no "nosso país" há algum tempo. Me causa sempre desconforto perceber que paira no ar uma certa prática de empurrar as coisas com a barriga para caírem no esquecimento. A tragédia de Santa Maria, com seus já 239 mortos, começa a ser peneirada pela bruma intransponível do passado, mal que acomete o Brasil, país de memória excessivamente curta. Logo, logo os defensores da colega de Curitiba já estarão subindo sobre as mesas, falando cada vez mais alto e, não mais que de repente, a gente descobre, 20 anos depois, que se esqueceu da Dra. Virgínia. Santa Maria já se transforma, lenta mas inexoravelmente, em um doído retrato na parede como a Itabira de Drumond. Há quase uma cultura oficial dessa prática. Sem querer ideologizar (mas já ideologizando) sempre me vem a mente a patética figura de Lula pedindo desculpas ao povo brasileiro, diretamente de Paris, quando foi flagrado o primeiro ato do mensalão. Uns três meses e milhões de Bolsas Famílias distribuídas (misturadas a um punhado de nossas casas nossa vidas) o vento mudou, a voz engrossou e, como num passe de mágica, o mensalão já era uma invenção fantasiosa da imprensa fascista e intriga da oposição. Nos Estados Unidos da América do Norte, o povo parece ter memória mais permanente. Na verdade lá não existe o Alzheimer Social que nos aflige. Em 09 de setembro de 1971, ocorreu um imenso motim no presídio de Attica, perto de New York. A repressão foi brutal do tipo Carandiru e, ao final, 29 presidiários e dez reféns foram peneirados por centenas de policiais que subiram nos muros e mandaram bala em todo mundo. Evidente não sou uma viúva de Attica e muito menos concordo com tanta violência para conter violência. Mas um fato restou disso tudo. Até hoje não se registram motins nos presídios norte-americanos. Quando eles são pensados, imediatamente algum detento ou guarda presidiário, movido pela memória social, grita pra todo mundo ouvir: Remember Attica!

Nenhum comentário:

Postar um comentário