sexta-feira, 29 de junho de 2012

Bom dia para os modernismos


Ah os processos educativos perdidos no tempo! Dias atrás li um PPT de Walcyr Carrasco sobre as coisas que mudam com o tempo, no campo da alimentação humana, junto com seu protesto sobre as dietas as quais foi obrigado a fazer em função do que a ciência maldizia e depois resgatava. Isso me excitou o espírito crítico para este artigo. Caso minha mãe fosse viva hoje, ao tempo de minha primeira infância, estaria na cadeia por maus tratos aos filhos. Na verdade era muita porrada mas era o que ela sabia fazer. Não tinha educação formal e criava (termo em voga à época) a mim e a meu irmão pelos padrões da aldeia de Portugal onde vivera seu pai. Coisa quase medieval! Contudo, há elementos que me intrigam e vejo certas vantagens, não nas cacetadas, mas nos seus valores (de minha mãe, claro!). Em casa não entrava refrigerante; só tomávamos sucos naturais e leite. Gibis eram proibidos no período de aulas e permitidos nas férias escolares. Descobertos, eram sumariamente rasgados mesmo sob pedidos de piedade se pertencessem a colegas. Cinema, só no sábado à tarde. Nossa dieta era frugal mas rica em nutrientes e sabores: fora o arroz, feijão, macarrão, batata frita e salada diários, tínhamos, praticamente toda a semana, peixe, camarão, filé mignon, cozidões, bacalhau, paneladas (mocotó, bucho, coalheira, casa-de-caba, livro), coração frito, rim no espeto, miolo a milanesa, bobó (estômago de boi), linguiça, chouriço, paio português, feijoada e rabada, isso sem falar nas, então permitidas, tartarugadas, tracajás, muçuãs, muito caranguejo com farofa, ostras, lulas, polvos, mexilhões e tudo que o mar fornecia. Mamãe fazia nosso prato com tudo, logo, não tínhamos direito de escolha. Isso serviu para algo? Para mim, claro que sim! Hoje como e gosto até de sopa de pedras. Acordávamos muito cedo, íamos e voltávamos a pé para o colégio. Só fui ter carro, usado, (desculpem, hoje chama seminovo) aos 21 anos mesmo nossos pais tendo um ótimo padrão de vida. Tínhamos horário para tudo: almoço de 12 às 13, repouso de 13 às 14; estudo diário de 14 às 16; bandalha livre na rua, de 16 às 18; lanche da noite (em Belém, pelo menos naquele tempo, não se jantava por causa do calor. Era sopa: caldo verde, grão de bico, cevadinha, lentilha, ervilha, creme de feijão preto, feijão descascado, canja etc.) seguida de café com leite e pão saído há pouco do forno da padaria Palmeira, às 18:30. 21 h era rede (o calor sem ar condicionado nem ventilador, que fazia mal para o pulmão, dificultava dormir em cama) e nu pois só vim colocar pijama no frio de Brasília, aos 17 anos. Acordava pontualmente às cinco horas, tudo escuro. Aprendi a ter disciplina nos horários além de me acostumar a ter prazer em estudar. Existe coisa melhor que isso? Você gostar dos estudos sem ser preciso lhe forçar? O silêncio ao nos movermos era sepulcral, pois mamãe sofria de enxaquecas quase diárias e tinha sono leve. Minha educação psicológica e politicamente incorreta me legou isso.  Existiam três empregadas em casa (cozinheira, arrumadeira e lavadeira/passadeira) fora a índia que cuidava de minha bisavó e morreu com mais de cem anos e a menina que vinha do interior para ser mucama de minha mãe e também servia para iniciar os machos da casa ainda imberbes,  nas primeiras aventuras sexuais. Tem uma, de quem me lembro com extremo carinho, que me ligou há uns anos para me dizer que era Condessa na Itália. Casara com um nobre Italiano milionário e tinha dois filhos. Quer dizer que me internacionalizei, né? Mas tinha uma regra de ouro ditada por meu pai: Se emprenhar, casa! E endossada pela minha mãe. Mesmo com esse séquito, não podíamos pedir um mísero favor a qualquer dessas bravas empreguetes. Mesmo sentados à mesa, caso vacilássemos e pedíssemos uma garrafa d’água da geladeira, papai vociferava (mesmo com o carinho de sempre): - Levante-se e pegue. Empregados de nós somos nós mesmos! Eu tinha um par de sapatos Neolite comprados na Clark (feitos para chutar pedra e sair incólume) e um bicolor para a ir à igreja no domingo. Uma calça boa e duas camisas também domingueiras de “Jersey”. Era gago, quase mudo, e nunca acho que sofri “bullying”. Retornava apelidos e, se tomava porrada, como sempre fui e sou fisicamente muito covarde, ia chorando pra meu irmão mais velho que metia o cacete no meu agressor e o imbróglio terminava ali mesmo, sem ir para o Jornal Nacional. Em Belém, convivia com duas primas lindas, encantadoras, pouco mais velhas que eu, as irmãs que nunca tive. Jamais vi qualquer delas acordar com TPM. Mesmo estando de bode ou prestes a entrar nele, eram só sorrisos quando eu chegava na casa da minha tia para passar temporadas (aliás, a coisa mais feliz para mim naqueles tempos); brincavam comigo de gol a gol com bola de seringa de borracha e eu ajudava na comidinha de capim nas panelinhas para as bonecas. Meu tempo não era preenchido com aulas de judô, karatê, inglês ou essas malditas academias. Aprendi a falar duas línguas pelas ruas. Curtia o malho nas aulas de educação física no colégio. Brincava de bola no asfalto; pira maromba; garrafão; queimada e macaca. Nas festas, mesmo com sete, oito anos, fazíamos ciranda-cirandinhas; cantávamos, com as meninas, as modinhas de roda; chicotinho queimado e, a mais maravilhosa de todas as brincadeiras: largo, estreito ou estreitinho, quando ganhávamos, apertos de mão, abraços ou beijos na bochecha, rubros de vergonha e tesão infanto-juvenil. Nem sabíamos que existia pedofilia e olha que as tentação era sempre ditada pelos meninos mais velhos: - Pra ser macho tem de dar a bunda três vezes!. Parece que uma certa inocência sincera pairava no ar. Meu irmão saiu de casa para estudar em Itajubá (MG) aos 15 anos. Estive lá passando férias aos 14. Conheci jovens-adultos, com 16 anos, a milhares de quilômetros de casa, livres para fazer qualquer merda, mas estudando, namorando, brincando, vivendo absolutamente felizes. Não me consta que usavam sua plenas liberdades para se entupir de drogas, exceto um cigarro ou as cachaçadas pois ninguém era de ferro. Todos os que conheço ainda hoje, são pessoas absolutamente felizes e exitosas. Evidente que não faço apologias ao passado. Mas certamente não me agrada este presente com tantas novidades que só servem para agonizar a felicidade. Ah, ia esquecendo: não tinha a série Malhação e os pais podiam abrir as portas de nossos quartos sem bater pois  nem criança nem adolescente  tinham privacidade, até para não usá-la nas loucuras atuais. Por final, muito devo da minha formação moral aos princípios que em mim se instalaram nas Escolas Dominicais, assim como nos Catecismos de meus irmãos católicos. Éramos, realmente, muito felizes e não sabíamos, mesmo tomando, algumas vezes, café com muitas porradas. Simples assim!

2 comentários:

  1. Meu amigo querido-Amo seus trabalhos. Viajo neles. Muito me divirto com a leitura e volto muitas vezes no tempo.

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  2. Bons tempos, apesar de não tê-los vivido...

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