terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Também bom dia para os ídolos nacionais.


Ah os ídolos nacionais. O Brasil sempre foi um país formador de ídolos no mercado interno. Isto se explica, ao menos parcialmente, pela anemia histórica na formação de vultos de importância universal.  Quatro argentinos, três mexicanos, mais  Chile, Peru,  Colômbia e até Costa Rica já possuem ou possuíram personalidades ganhadores do Prêmio Nobel enquanto nós continuamos penando atrás da láurea, da qual passamos perto não fosse o veto dos governos militares à escolha, praticamente certa, de D. Helder Câmara para o Nobel da Paz. Cacete, Menachem Begin, guerrilheiro sanguinário o ganhou e da Paz. Saramago, gênio puro, mas português, levou-o no bico. Mas nós continuamos na seca e isso nos ofende. Até para escolher um Santo brasileiro, sendo nosso país a segunda maior população católica do mundo, perdendo apenas para as Filipinas, pastamos séculos: Anchieta, mesmo português de nascimento, não ganhou a indicação por haver puxado para baixo os ombros de um supliciado que padecia na forca sem conseguir morrer. Até o Peru, nos anos 60, conseguiu emplacar um tal de São João DE PORRES que a gozação brasileira elevou à categoria de padroeiro da ressaca. Frei Galvão veio aos 49 do segundo tempo. Nelson Rodrigues sempre dizia de nosso complexo de cachorro vira-lata, fato que nos fez elevar Santos-Dumont à categoria de herói nacional quando ele, desde muito jovem, estudou e morou na França. Nos esgoelamos por Maria Esther Bueno, uma quase inglesa que só fez nascer em São Paulo. Na música tinha Gardel e Libertad Lamarque, realmente gênios dos Hermanos. Tivemos que criar um Gardel brasileiro, com cabelo glostorado e dividido ao meio e que também veio a morrer tragicamente em um desastre bem menos glamoroso que o Uruguaio criado entre Paris e Buenos Aires;  enquanto este se espatifou em um avião na pista de Medellin, nosso Chico Viola virou pasta na traseira de um caminhão verdureiro na Rio-São Paulo. Nossa (nascida em Portugal) Carmem Miranda foi a primeira que arrebentou a boca do balão mas em Hollywood. Só veio ser enterrada aqui. Eder Jofre, vamos combinar, foi o primeiro brasileiro “quase” puro a nos dar glórias internacionais. O quase se deve ao fato de que era filho do argentino José Aristides Jofre, o Kid Jofre, também seu  técnico e sua mãe Angelina era da família de boxeadores oriundi como Ralph Zumbano. De propósito não estou mencionando os ídolos do futebol, tendo o maior de todos, Pelé, à frente, justamente porque esse era o único ramo no qual na verdade nos destacamos sempre. O que realmente me motivou a escrever este artigo foi uma comparação que me caiu no colo assistindo um programa de televisão. De ressaltar que ela não foi mote do programa, eu é que comecei a engendrar, na mente, esses fatos que marcaram a vida ativa no esporte, desses dois ídolos nacionais incomparáveis, levando-me a cotejá-los não sei bem por qual razão: Ayrton Senna e Guga! A princípio, pode parecer ao menos avisado que essa comparação não passa de uma grande idiotice de minha parte, considerando que as glórias de Ayrton parecem superar em muito as de Kuerten. Mas isso é uma conclusão, pelo menos, precipitada. Ayrton notabilizou-se em um esporte no qual o Brasil já se destacava. Abstraindo os feitos de grandes corredores do passado como Chico Landi, Luizinho Pereira Bueno, Bird Clemente, Wilson Fittipaldi, Wilsinho Fittipaldi, Christian Heinz (primo do clã Fittipaldi e que morreu quando liderava Le Mans), Piero e Lula Gancia, Mario Filizolla, José Carlos Pacce (o Moco), Alex Dias Ribeiro e Jean Louis (filho da jornalista Yvonne Jean d’O Correio Braziliense) até chegarmos ao quase adolescente Emerson Fittipaldi, que aos 19/20 anos já dava show nas 12 Horas de Brasília (depois Mil Quilômetros de Brasília), buzinando uma pequena Alfa Romeo ou um Renault “Rabo-Quente” de quatro cv, quando ultrapassava seus atônitos concorrentes. Emerson, na verdade, abriu o caminho mais difícil de ganhar lá fora, sentado num F1 da Lotus, cedido por Colin Chapman para correr no lugar do campeão “post-mortem” , o austríaco Jochen Rindt, que morrera em Monza um mês antes. Era quatro de outubro de 1970, domingo chuvoso em Brasília, quando, a bordo do que ele mesmo chamou, de um “enorme caixão negro com frisos dourados, atopetado de gasolina”, Emerson resgatou o orgulho nacional e venceu em um esporte então inusitado, algo muito distante pra ser verdadeiro. O que estou tentando dizer é que, com o caminho aberto com muito sangue, suor e lágrimas por Fittipaldi e trilhado com muita competência depois por Piquet, Ayrton, na verdade, consumou o que dele se esperava: nos entregar o segundo tricampeonato da categoria. Naquela época, ganhar os GP’s era tão corriqueiro, que já sentávamos à frente da TV com toda a parafernália pronta, não para assistir uma corrida, mas para nos emocionar com Ayrton. Disso nasceu sua dimensão etérea de maior ídolo nacional, quase um super-homem e que pensava, exatamente, como o brasileiro médio, para quem segundo e último lugar era a mesma coisa, ainda que Emerson e Piquet lhe tivessem legado o exemplo que o fato de pontuar também trazia campeonatos. Mas Ayrton disputava, talvez consigo mesmo ou com adversários quixotescamente imaginários, para ganhar sempre, ousar sempre, arriscar tudo em milésimos de segundo, gana que lhe trouxe a morte prematura e desnudou a humanidade do ídolo; sua parte fraca e irracional: morreu porque não admitia nada menos que a glória suprema! Já Guga, indo pela mesma trilha de ética e comportamento pessoal irrepreensível, brilhou em um esporte também de elite, mas no qual o Brasil só tivera dois escassos ídolos; Edson Mandarino, educado na Espanha e que só falava espanhol e Tomas Koch, que sempre ficou na periferia do sucesso idílico. Guga veio do nada e, como num piscar de olhos, nos jogou dentro de uma quadra de tênis, esquecida desde os anos 60, para quem tem idade para tal, com os feitos de Maria Esther. O protótipo do bom garoto, órfão de pai, vida difícil, ele consegue arrebatar nem um, nem dois mas TRÊS Grand Slam; se transforma no rei de Paris. Passa por cima de todos os adversários, atingindo a glória maior de ganhar o Masters de Lisboa de 2000, onde dissecou tudo o que havia de invencível no tênis mundial, permanecendo impensáveis 43 semanas no topo do ranking (11 meses). De repente, mal acostumada pelos riscos mal calculados sempre assumidos por Ayrton, a torcida brasileira assiste o Guga se dobrar a uma dor física, aquela que nada significa para quem não a está sentido. Confesso que, junto com a massa, cheguei a pensar algo do tipo: mas esse cara???? Logo agora, pô! Mas, a verdade é que nesse momento e parafraseando a carta testamento de Vargas, Guga deixa as quadras e passa para a História, assumindo a dimensão humana dos heróis do panteão brasileiro. Sente o perigo da crescente dor, não calcula mal a velocidade da claudicante Williams perante a Bennetton mais veloz de Schumacher, não rasga a Rascasse em perigo e muito menos enfrenta a Tamburello numa velocidade excessiva. Sai de cena, para mim, como o mais humano de todos os maiores ídolos nacionais. Simples, garotão, rato de praia, queimadão de sol, cabeleira ondulante ao vento, gemido parecendo importado do prazer na cama e imortalizado como marca sempiterna, nunca se escondendo da crítica nem querendo passar uma imagem de semideus mas, acima de tudo, VIVO, como gostaríamos que Ayrton também estivesse. Simples assim!

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