Ah a violência inexplicável. Tem sido difícil entender o que está
se passando nos Estados Unidos com esses constantes e brutais ataques a escolas
fundamentais, high schools, universidades, parques, lanchonetes, postos de
gasolina e outros locais públicos. Me lembro que esse funério modismo começou
em 1º de agosto de 1966, quando 14 pessoas foram mortas e 31 feridas quando um ex-Major
dos Marines, Charles Whitman, subiu na torre mais alta da Universidade do
Texas, em Austin, e se serviu com a mira telescópica de um potente fuzil. Antes
já havia matado sua mãe em casa a facadas. Então tinha 16 anos e me lembro que
fiquei estupefato com o ocorrido, principalmente com os detalhes sobre o
armamento e a incalculável quantidade de munição encontrados em sua posse, após
ser morto por policiais. Desde então penso que não se passam um ano sem que
enfrentemos episódios assemelhados e no mesmo país. A coisa cada vez toma
aspectos mais grotescos. Quando comecei a pensar seriamente sobre o assunto,
ainda o fiz sob a lógica maniqueísta sob a qual fui educado. A eterna luta do bem
contra o mal. Na Carta de S. Paulo aos Romanos está bem clara a luta permanente
do homem contra os principados e as potestades do ar, muito em razão da carne
militar contra o espírito e o espírito contra a carne. Santo Agostinho, um ex-maniqueu
declarado (Ordem da qual faziam parte os maniqueístas), só se alfabetizou aos
33 anos e logo leu justamente a Carta aos Romanos. Sua pregação, já que
diferentemente de Santo Agostinho (um intelectual do Alto Clero) era um
vibrante orador para as massas incultas e membro do Baixo Clero, possuía o
arroubo do medo e da ira contra Satanás e os Infernos, muita vez sobrepujando o
amor a Deus, criador de todas as coisas e que, teologicamente, teria gerado ou
pelo menos permitido a proliferação do mal, conforme o Versículo sete, do Capítulo
45, do Livro do Profeta Isaías, que diz: “Eu formo a luz e crio as trevas; faço
a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas”. Ora, como pelo meu
finito e falho conhecimento não consigo explicar essas coisas e muito menos
possuo sabedoria espiritual para entender a permanência do mal num mesmo
ambiente com o Deus onipotente, abandonei de propósito essa parte da minha
análise. Passei para a segunda razão mais plausível e criticada muito pela
minoria espalhafatosa dos antiarmamentistas norte-americanos, corporificada na
facilidade da compra legal de armamentos, constitucionalmente permitida naquela
Nação. Na verdade a maioria silenciosa daquele país possui armas e, muitas
vezes, muitas armas em casa. Caçam com os pais desde bem novos; praticam tiro
ao alvo em zilhões de clubes especializados; desde a segunda guerra mundial já
devem ter invadido uns cinquenta territórios estrangeiros. Na verdade basta ir
lá, frequentar um lar americano, para se perceber a belicosidade imanente ao
povo americano. Parece óbvio que a proibição de venda de armas seria tapar o
sol com uma peneira de poros bem largos. Quando aqueles lunáticos decidem
praticar essas asneiras não precisam usar armas específicas. Três bombas
caseiras ou bananas de dinamite fariam o mesmo efeito; além disso eles têm
fácil acesso a produtos e gases mortais. Em última análise, teriam esquecido o
episódio da Lei Seca, aquela que proibiu o fabrico e comercialização de bebidas
alcoólicas. Na verdade jamais se bebeu tanto na América. Tudo proibido excita a
clandestinidade e já imaginaram a proibição de armas lícitas nos Estados Unidos
a hecatombe que criaria no tráfico de armas? Quem alimentaria a indústria
armamentista norte-americana, incentivadora do uso dessas máquinas mortíferas?
Se eles mal conseguem resolver a proliferação de drogas ilícitas e os problemas
com o terrorismo local, imagina incluir mais esse item na agenda de pavores e
ilicitudes americanas. Também abandonei esse diapasão! Não me parece que a
presença de armas seja causa estrutural de tamanha violência, quando muita, uma
das causas conjunturais, algo como a ocasião fazer o ladrão. Passei então a perscrutar
os intricados labirintos da mente humana, aqueles onde habitam os medos,
pavores, taras, iras, neuras, psicoses, neuroses, bullyings mal resolvidos e quejandas. Desconfio
que fiquei ainda mais distanciado de uma resposta que apascentasse minha alma.
Também por aqui e em todos os países do mundo essas coisas acontecem e, quando
explodem nessas imbecilidades pragmáticas de sair abatendo criancinhas como
cachorros hidrófobos, contam-se os casos: aquele na França; aquele outro na
Noruega (ou terá sido Finlândia?); um outro na Alemanha, talvez dois na
Inglaterra e acabou! Pouco para cotejar com as centenas de exemplos na América
do Norte. Quase sem outros elementos de análise, senti que algo incomodava lá
de longe; coisa do tipo do grão de ervilha colocado sob vinte colchões onde
dormiria uma princesa, para ser testada, no conhecido conto de Hans Christian Andersen
“A Princesa e o Grão de Ervilha”! Será que essa insanidade tem algo a ver com os
valores da modernidade? Aí fui lembrando da propalada, mas evidente, degradação
moral da América. Aqueles valores fundamentais (sem ser, necessariamente,
fundamentalistas) que criaram esse gigante, há muito estão se esfacelando ou já
esfacelados pelas posturas atuais. Lá começaram as crises na adolescência; os quartos
fechados e os direitos à privacidade de meninos e meninas despreparados para a
vida; a facilidade da “ficação, da banalização da perda do cabaço, de meninos e
meninas; a fuga às escolas dominicais; a vergonha até dos pais irem buscar
filhos na porta dos colégios; o descaso para com a moral; a proliferação do
homossexualismo de ambos os sexos; a convivência promíscua com as drogas e,
principalmente lá, a pior delas: o álcool! As armações ilimitadas e as
malhações; as baladas, raves, hip hops, nets, redes e tudo o mais que, de uma
forma ou de outra, aparta os adolescentes da vida em família, aquela que lhes
transmitiria princípios, práticas, culturas e valores partilhados por todos em
um ambiente sadio. A aversão a Deus e a qualquer freio de ordem ética. A
cultura do imediatismo; o abandono dos pais aos lares, para a labuta diária em
um mercado autofágico. A educação informal através da televisão e das babás
semianalfabetas. A substituição dos brinquedos de madeira, educativos por
videogames de monstros e assassinos intergalácticos e, notadamente,
perseguições nos becos, vielas e nas guerras imaginárias. Os pontos contam-se
pela quantidade de cadáveres deixados no chão. Exatamente como os neo-Charles
Whitman fazem: mortes desenfreadas; assassinatos sem ódio; abate de inimigos
que nada fizeram para merecer tal qualificação. Sei não, mas algo me diz que,
aos 49 do segundo tempo, afinal estou trilhando um caminho lógico, não para
explicar mas, pelo menos, para entender o que movimenta uma mente tão doentia.
E, como tudo que viceja por lá se transforma em objetivo imediato aqui, temo
por demais que também esse produto seja incluído em nossa cesta de importados
americanos. Simples assim!
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