Tem coisas que, racionalmente,
não dá para explicar. Titubeei muito antes de relatar esses fatos relacionados
com sono e estradas, pois sei que pouca gente acreditará em mim. Mas não sou um
contador de causos ou contista ficcional; sou um memorialista com lembrança de
coisas que até eu duvido dos tantos detalhes. Em 1968 e como apaixonado por
futebol, o Brasil vivia, nesse campo, uma pletora de timaços: o Santos de Pelé,
o Cruzeiro de Tostão, o Internacional de Falcão e Figueiroa; o Botafogo de
Gerson, Jairzinho e Paulo César Caju. Era um prato cheio! Morava em Brasília e
tinha um Gordini II, beije Itapeva, ano de fabricação 1967. Era quase novo e eu
amava esse carrinho. Mas amava mais o futebol. Me acostumei a viajar os 825 km
que me separavam de Belo Horizonte, só para assistir Cruzeiro e Atlético e me
deleitar com a genialidade de Tostão, Dirceu Lopes, Hilton Rodrigues, Raul,
Natal e Piazza (tinha também Wanderley, Amauri, Buião e Ronaldo do Atlético mas
que sempre perdiam). Também não deixava passar um bom clássico no Rio, com meu
Vasco da Gama, me arrastando pelos 1.150 km até a Cidade Maravilhosa. O
programa já estava traçado pela repetição de todos os passos: saída de
Brasília, às 20 h de sexta-feira, chegando ao Rio entre 12 e 13 h de sábado.
Geralmente levava um amigo comigo (Heitor, Luciano, Vladimir, Araripe etc.).
Nessa viagem levei o também vascaíno Vladimir Meirelles de Almeida (hoje deve
ter 65, minha idade e já estar aposentado da Câmara Federal). Ao cruzar o túnel
novo já ia direto para a Farme de Amoedo, em Ipanema, para pegar o Araripe,
quando estava no Rio com a família. Praia até 17 h, almoço ajantarado na casa
da Tia Lucy, uma sonada até 23 h e direto pra balançar o corpo no Le Bateau. De
manhã praia, almoço por lá mesmo e 14h todos ao Maracanã pra curtir a Selefogo,
em que pese a raiva que ela me causava naquele tempo. Saída do Maraca às 18:30
h, jantar na rua e...tome Le Bateau de novo até às 04 da matina de
segunda-feira. Saiamos direto para estrada e fosse o que Deus quisesse. Nesse
dia específico chovia a cântaros e fomos até Ipanema deixar o Araripe. Só se
enxergava algo com meio palmo na frente do nariz pois a chuva era daquelas
violentas. Tomado o caminho do aterro, Vladimir se espichou no banco de traz
apesar de meus ingentes apelos para que não dormisse, viesse bater papo comigo,
justamente para evitar as cochiladas. Só ouvi o ressonar do amigo, uns trinta
segundos depois. Colhi água da tromba d’idem e lavei meus olhos para evitar
fechá-los. Já na Avenida Brasil flagrei uma pescada que deve ter durado uns 40”.
Entrei na Dutra à direita, já na Baixada e pescando o tempo todo. Parecia que
ia de olhos abertos mas, só muito tempo depois, percebi que viajei essa parte
toda que estou contando, DORMINDO INTERMITENTEMENTE. Vi passar a primeira
entrada de Petrópolis, logo no meio da serra; passei pela do Belvedere, tudo
dormindo até que pensei: tenho que entrar na próxima se não impossível pegar a
Estrada União e Indústria (também conhecida como BR-3, onde agente morre mas a
gente corre também), que demandava Juiz de Fora na qual vencíamos 200 km em
quatro horas. Num tempo que não posso precisar, a chuva desabando tudo em
volta, vi uma placa escrita “Entrada de Três Rios a 10 km”. Exultei! Pombas já tô
no caminho de Brasília. Nesse exato momento apaguei sem antes lembrar um último
pensamento: Não posso entrar em Três Rios pois vou perder muito tempo. Saí de
Ipanema cerca de 4:30 h. Não olhei no relógio nesse instante mas estava escuro
como um breu. Aí, literalmente apaguei! Nem mais as intermitentes acordadas
para não bater na traseira dos outros ou voltar para a minha mão, aconteceram
de novo. Dormi o sono dos justos até........ acordar de susto com um barulho
ensurdecedor que vinha da parte debaixo do carro. Dei um pulo mas o cinto de
segurança (usava na estrada) me prendeu ao banco. Vladimir acordou de um salto
e perguntou: o quê aconteceu? Eu disse: Não sei, acho que entramos em Três Rios
por engano (isto porque estávamos trafegando em cima de paralelepípedos, daí o
barulho). Lá na frente foi tomando forma uma construção bonita, grande e nós fomos
aprumando o olho e nos aproximando. Eram 7:45 da manhã, a chuva cessara, o sol
já estava quente e a construção foi tomando contornos e formas até pararmos
junto ao meio-fio, sairmos do carro morrendo de rir. A construção agora era
nítida e a placa na frente dizia: Museu Imperial de Petrópolis!!!!!! Como, não
consigo entender, passeei nos braços da
morte, por cerca de três longas horas, dirigindo um carro em sono profundo e
como dei uma volta de 180° em uma estrada federal sem ser esmagado, ficará
sempre no imponderável. Justamente por isso decidi dividir essa loucura com
aqueles que me leem. Simples assim!
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