Não existe assunto mais atual, porém
extremamente batido, do que Lula. Entrar nessa seara, geralmente, é para descer
o malho indistintamente ou defender apaixonadamente, ambos os casos carentes de
descortino e razão, além de sobejos em sentimentos. Esse debate, na verdade,
recua no tempo, desde a formação do caldo cultural elitista no Brasil. Nosso
país nasceu sob a égide das elites e da apartação econômica, política e social.
Desde a colonização portuguesa, passando pela vinda da Coroa ao Brasil, primeiro
e segundo impérios e até a República, fixou-se a ideia “original”, assim como o
pecado, de que o dono do solo é o dono do país. Nossas instituições sociais e
políticas, nosso arcabouço jurídico, nossa formação econômica, tudo sempre nos
direcionou a aceitar sem debate uma elite governante (barões da cana, do ouro,
do gado, do café etc.) sobre uma massa governada, absolutamente despreparada,
formada primordialmente por castas e estratos que vieram se acumulando ao longo
do tempo, assim expostas na cronologia: descendentes diretos e pósteros das
prostitutas e degredados, população primordial nas primeiras migrações
coloniais; índios escravizados e desde então tachados de preguiçosos, dada a
impossibilidade analítica de identificar os enormes choques culturais com os
valores exógenos, trazidos pelos colonos; negros africanos igualmente
arrancados de suas raízes, também identificados como indolentes e nostálgicos,
como se fosse possível conviver-se em uma terra distante e diferente, muitos
dos quais pertencentes a famílias da alta nobreza tribal e agora igualados numa
camada inferior de “coisa”ou “peça”, onde lhes foi roubado o sentido de
humanidade; europeus e seus descendentes, vindos para fixar residência no
Brasil, portugueses, franceses, holandeses; aventureiros, piratas, corsários,
ladrões das coisas pública e privada, gênese distante da massa corrupta que
viceja em nossos governos, DESDE ENTÃO! Num local onde não há educação,
conhecimento, inovação, ciência, afinal, o poder se define pelo direito da
força e não pela força do direito e assim fomos nós acostumando-nos a esse status quo de onde foram geradas as
“geniais” criações da cultura genuinamente brasileira: o corporativismo, o
pensamento cartorial, os quebra-galhos, o jeitinho, o “sabe com quem está
falando?”, o extremamente danoso convívio com a impunidade, com o “rouba mas
faz”, com as gestões patrimonialistas (tanto dos bens públicos quanto privados)
onde não existe uma fronteira definida entre o meu, o teu, o nosso e o
INDISPONÍVEL! Fomos sendo dominados por esse ente invisível, combustível da
plutocracia, perdendo completamente a capacidade de nos irarmos contra as
injustiças e, o que parece bem mais grave, não perceber sequer que elas
existiam (e existem). O núcleo da elite, sua periferia, suas crias e filhotes
corporificados na classe média, na verdade, dirigiram as instituições nacionais
ao seu bel prazer até que os militares percebessem que tinham armas e elas, se
usadas, matam! E assim viemos, desde a República Velha, passando por Vargas (um
episódio fascista-caudilhista em nossa história, só para não negar os dominós
que se espraiavam desde o Prata até o Caribe), o pós-guerra e seu curto surto
democrático de fachada, passando pela Redentora que durou o tempo de uma
maioridade até chegarmos à Nova República de triste lembrança. Já naquele
tempo, o mundo capitalista passava por sérios solavancos causados, de um lado,
pelas notáveis conquistas da ciência sino-soviética e, do outro, pelos choques
do petróleo de 1973 e principalmente, de 1979. Para quem sabia pensar, tinha
sólidas bases intelectuais, possuía um diploma universitário honesto e bem
merecido, era um livre pensador ou um autodidata (essas duas classes quase em
extinção nos dias de hoje), não era difícil perceber que o mundo estava diante
de convulsões tão sérias, daquele tipo que trazem mudanças inusitadas, aquelas
que desenham um novo presente e não conseguem traçar, pelo menos, uma estrada
visível para o futuro. Todos percebiam uma coisa e muito firmemente: como
estava não podia continuar. E não continuou mesmo! Atingido em seu lado mais
sensível e mortal, o capitalismo, COMO SEMPRE, reagiu rápido, marca registrada
de um sistema político, social e econômico sem rosto mas UNIDO! Criou o
Consenso de Washington, em 1989, fincando uma estaca na parte mais vulnerável
do mundo socialista: a certeza que a base da economia do capital, o petróleo,
lhe faltaria e, por inanição, estaria aberto o mundo inteiro ao chamado
coletivista de Marx “Operários de todo o mundo, uni-vos!”. Não foi o que aconteceu
e o gigante do norte conseguiu cooptar 69 nações emergentes, plenas de riquezas
naturais (aquelas que valem o que nunca conseguirá valer um pedaço de papel
pintado de verde), para abrirem seus comércios à pirataria universal,
sangrando-os até que voltassem à dependência da vaca de tetas então hoje não
tão gordas. União Soviética, mesmo possuidora das maiores reservas petrolíferas
do mundo, nos Urais, não suportou o baque e feneceu, levando consigo o ideal
socialista e, com exceção da China, legando ao mundo uma onipresença
capitalista que pode perdurar por mais mil anos. Globalização foi a senha que
permitiu a salvação dos Estados Unidos e Europa, ainda que permaneçam em estado
de quarentena. O importante disso tudo é ressaltar que a luta entre a esquerda
e a direita no Brasil, cristianizou figuras combatentes heroicas como Lula,
Brizola, Dirceu e Genoíno que passaram a simbolizar, a pessoas comuns como eu,
por exemplo, uma esperança, uma enorme esperança de que, algum dia, assumiriam
o poder e, trazendo consigo as marcas lategadas de tanta dominação
inconsequente das elites, levantariam um novo archote, pelo menos uma chama
diferente, mais brilhante e pura. Convivi com isso desde 1964. Vi colegas de
ensino médio desaparecerem. Assisti à prisão de Honestino Monteiro Guimarães,
numa tarde de terça-feira (ou quarta, já nem me lembro) e seus gritos ainda
ecoam nos meus ouvidos: “colegas, colegas, reajam! Eles vão me matar!”. Como reagir
contra umas vinte metralhadoras engatilhadas e em posição de tiro. O pai de
Honestino era sócio do meu falecido sogro (não o chamo de ex porque nunca o
considerei assim, até por não ter tido outro). Nunca mais ele foi visto. Nunca
tive coragem de me filiar a uma organização clandestina mas, morando em
Brasília, um dos centros pulsantes dos ideais revolucionários, convivi com a
turma do PCB, PCdoB, POLOP, AP, MR-8, VAL-PALMARES e outras siglas que me
excitavam a imaginação, portando estandartes imaginários de salvação da
humanidade, em que pesem as profundas diferenças até ideológicas entre elas,
mais sulcadas que o próprio espaço que as separava do hediondo capitalismo
cruel. Acho que minha presença e até colaboração financeira com essas entidades
e guerrilheiros, urbanos e rurais, que comigo estudavam e/ou trabalhavam,
acabaram me premiando com meu nome incluído nas fichas do antigo SNI. Ainda
assim e podendo ter forjado uma farsa que me garantisse vantagens, nunca me
apropriei das benesses do Bolsa Tortura, que transformaram ideais
revolucionários em polpudos e vantajosos investimentos capitalistas. Importante
lembrar que era assim que meus colegas e amigos se apresentavam: não só
salvadores da pátria mas de todo o resto do mundo. Me arrepiava a figura
lendária de Prestes, o Cavaleiro da Esperança; ler os discursos de Lenin,
acompanhar o fim da grande Marcha de Mao, me empolgar com as vitórias de Tito
sobre a camarilha nazista. Me emocionava ouvir, pelo Transglobe Philco
portátil, de meu pai, com oito pilhas grandes, as notícias diárias da Rádio
Central de Moscou e da Agência Nova China, em português escorreito. Estudei
Marx e Engels como um celerado e apaixonado jovem. Fui mais longe, buscando nos
Idealistas, desde Platão, Descartes e Hegel as bases para um mundo melhor.
Passeei até pelos Socialistas Utópicos tão odiados por Marx. Ninguém imagina
quanto me empolguei quando Lula apareceu como candidato à Presidência. Votei
nele com volúpia. Chorei as derrotas. Não dei trela à experiência desastrada de
Lech Walessa, o primeiro operário a atingir a presidência de uma república pelo
voto. O Sindicato Solidariedade foi apoiado inclusive pelo Papa João Paulo II
como um esteio na luta contra o Comunismo Internacional, aquele mesmo que come
criancinhas. Ninguém parece ter notado, depois, os desmandos advindos dessa
desastrada experiência política e administrativa sindicalista de direita. Em
2002 mudei-me de Brasília para Anápolis, eu e minha mãe, fomos morar em
Anápolis, na casa do meu irmão André, com o qual sempre me alinhei
politicamente. Dois pôsteres de Lula, em tamanho natural, ornavam a varanda da
casa, mesmo sob os protestos de minha velha mãe, apaixonada pela postura de
dândi de FHC. Aliás, eu, André e a maioria do povo brasileiro como nós, criada
e educada em meio a esse caldo que descrevi, já estava fatigada dos oito anos
de desmando da gestão de Fernando Henrique: a absurda privataria (não a
filosofia do combate ao déficit fiscal, mas o modo como foi feita), a ausência
de informações, as liberdades pisoteadas, a troca de lado de um homem que mandou
esquecerem o que ele tinha escrito, um colega professor que nos encheu de
orgulho na primeira hora; a compra do Congresso Nacional para todas as
“Reformas”; a ausência de CPIs; a definitiva “abertura de nossos portos”, agora
veias e artérias, à deslavada invasão do capital internacional. Sim, todos
estávamos absolutamente cansados de tantos desmandos. Nem bem tínhamos saído dos
cinco anos de cofres assaltados na gestão Sarney e pisoteio da ética por
Collor, agora enfrentávamos o maior roubo aos direitos adquiridos presenciados
pelo Brasil. Paralização dos reajustes salariais do serviço público; estávamos,
literalmente, à míngua e isso carregou nossos anseios ao pico do Everest das
ilusões. Choramos juntos, de emoção explodida, eu e meu irmão, todos os pelos
do corpo eriçados, quando a voz grave de Lula estrugiu: “A esperança venceu o
medo!”. E nós acreditamos! Uns quinze dias depois, com o pacto de apoio às
políticas neoliberais, a escolha do ministério harmonizado com a banca
internacional e outras medidas desse tipo, fomos tirando os estandartes,
abaixando as bandeiras, trazendo na boca um leve sabor acre de que tínhamos
sido enganados. Pipocavam as notícias sobre o abandono do barco por velhos
petistas, amigos de primeira hora, no caminho do PSOL de Sabá, Luciana Genro e
Heloísa Helena e outras fugas estratégicas, quiçá antevendo os escândalos que
viriam. O governo foi se aprofundando na mesmice da direita misturada com
gastanças “sociais” de falsa esquerda,
perpetradas pelas ONG’s, OCIP’s, MST, Bolsas de todo o tipo e ornadas pela
ausência de planejamento, inchaço dos gastos públicos e, principalmente, a
politização de bolsões de excelência (nos quais nem FHC tivera coragem de
mexer) como a Petrobrás, Eletrobrás, Embrapa, BB, CEF, IPEA, e outros campos
minados, que começaram a destruir pela base uma gestão sem princípios. Daí ao
descalabro do Mensalão foi um pulo. Sou um homem pobre, um sem-terra, sem
emprego, quase sem esperança. Ainda nada ganho das riquezas que amealhei para
os inúmeros governos aos quais servi, pois minha aposentadoria está marcada
para início de janeiro de 2013. Nada ganhei da nação exceto a contrapartida
financeira mensal aviltante pelos
trabalhos relevantes que a ela prestei em inúmeras passagens pelo serviço
público. Não sonego tributos. Nunca roubei um centavo do meu país e jamais
ingressei em esquemas de corrupção mesmo que tenham tentado me cooptar para
tal, inúmeras vezes. Não tenho propriedade da terra nem sobre meu eventual
túmulo. Baseado nisso, possuo isenção, estudo e conhecimento para não aceitar,
com facilidade, as teses que avultam, pró e contra Lula. Sei o que as elites
pretendem, mas também sei que Lula enriqueceu a seus laranjas e filhos até a
última geração dos Lula da Silva. Não preciso citar fontes ao reconhecer que
mensalões existem no Brasil, pelo menos a partira da aprovação de uma
Constituição parlamentarista, desde 1988. A hipótese da governabilidade, em que
pese seu realismo, não pode possuir o condão de justificar bandalheiras de toda
a jaez. Repilo as teses de que Lula é um santo, que o Mensalão nunca existiu e,
mesmo tendo existido, é justificável por ajudar a manter no poder uma esquerda
que tirou milhões de brasileiros da miséria absoluta, aumentou o tamanho da
classe média e ajudou os perseguidos ao redor do mundo inteiro. Lula não pode
ser justificado pelo seu passado. Homem público nenhum só pode e deve possuir o
passado como base invariável de defesa de sua intocabilidade histórica. O
presente julga os homens públicos, TAMBÉM E PRINCIPALMENTE. O fato de Lula ter
passado pouco menos de um mês numa cadeia onde foi tratado a pão de ló e, como
um novo Hitler, idealizou sua luta de persecução ao poder, base de sua “kampf”
de assalto aos cofres da nação, não pode explicar uma eventual impunidade
atual. Se FHC praticou Mensalões, deve ser julgado e punido pela mesma Corte
que expôs Lula e seus asseclas, descarnados, em praça pública. Aos que o odeiam
por ter pouca cultura e não possuir o mesmo it de FHC, minha misericórdia por
sua ignorância e do mesmo tamanho dos que hoje ainda colocam este último em um
altar, apenas por ser culto, bonitão e bem falante. Para mim ambos são exatamente
farinha do mesmo saco, vindos de classes sociais distintas, aliás, a única
diferença que viceja real entre eles. Levantar a tese esdrúxula de que o
Mensalão é produto da mídia direitista hidrófoba, joga na mesma cova rasa os
índices de analfabetismo e a alta cultura jurídica brasileira, espelhada por
uma suprema corte quase toda ela escolhida e empossada justamente por Lula e
Dilma. Achismo não é ciência. Não existe opinião formada sobre quimeras: sim, o
Mensalão existe e ainda está faltando punir seu genial idealizador: o
ex-Presidente Lula, o Grande Irmão, salvador da pátria, Nosso Guia, o segundo e
maior cavaleiro da esperança, o blefe da História. Evidente que esse julgamento
e a eventual punição ocorrerão sob a égide das elites intelectualizadas do
Brasil, da mesma forma que o era no tempo das Capitanias Hereditárias. Perdão,
QUASE DA MESMA FORMA. Afinal, fosse naquele tempo, Lula, Dirceu, Genoíno e
outros gênios da lâmpada teriam sentido o gosto da corda num cadafalso qualquer
em Vila Rica. E com direito a ter seus corpos esquartejados, salgados e
colocados ao longo das estradas mal cuidadas que demandam à Ilha da Fantasia de
todos eles: Brasília, também a Capital da Esperança. Portanto, sinto nojo todas
as vezes que separam Lula e FHC em vasilhames distintos. Asco quando vêm
defender o indefensável e repugnância pela blindagem que talvez salve esses
bandidos de uma punição exemplar. Tenho Direito, com D maiúsculo, a julgá-los
usando meu padrão e meu exemplo. Simples assim!.
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