segunda-feira, 2 de julho de 2012

Bom dia para o trânsito nas cidades brasileiras


Ah! Que beleza um passeio no futuro, para curtir a mobilidade urbana. Feche os olhos e imagine um dia de cão: trânsito totalmente paralisado; 295 km de engarrafamento em uma megalópole; ônibus, táxis e carros particulares levando meia hora para vencer a distância de uma quadra (quarteirão, para os paraenses); motos pipocando como vespas; ambulâncias, carros de polícia e outros de socorros gerais gemendo alto suas inúteis sirenes; pessoas enfartando, vomitando no próprio colo, saindo dos carros em desespero e brigando entre si; casais novos já se esculhambando; sinais de trânsito trocando de cores num balé absolutamente sem função; milhões de reais em negócios perdidos; atrasos generalizados; desespero e ranger de dentes; D.P.O.C’s. (enfisemas, asmas, bronquites e cânceres pulmonares) pairando pelo ar; taxistas desistindo de prosseguir na profissão. Você pensa que isto ainda vai acontecer? Esqueça! Já ACONTECEU na cidade de São Paulo em 1º de junho do corrente ano, exatamente como foi relatado acima, às 19 horas. Quem é o maior culpado por essa Babel? Evidente que todos tenderão a afirmar que as vias são mal sinalizadas; as verbas são desviadas; o serviço de transportes públicos por metrô, trens suburbanos e ônibus é precário; não há investimentos no setor; as frotas são envelhecidas e pouca segurança existe; fiscalização deficiente; dirá também que é necessário adotar medidas extremas, aliás as mais drásticas e antipáticas, as penúltimas adotadas em todo o mundo antes da total proibição do tráfego nas áreas centrais das cidades: rodízios de placas e pedágios urbanos. Como sempre a tendência será culpar governantes e sistemas, contudo, no final das contas a culpa é sua. Está surpreso? Você é o maior culpado e optou preferencialmente por esse caos! Quando jovem, com a indústria automobilística “nacional” começando a bombar, o seu corpo e sua mente foram treinados para se dividir em cabeça, tronco e .......rodas! Você não foi educado e nem está educando seus filhos para sonhar primordialmente com a casa própria. Pode ver as pesquisas e enquetes feitas pela grande mídia e constatará que o primeiro sonho do jovem brasileiro é ter seu “carrinho”. Mesma coisa a nova classe média. Também na classe pobre quando, ao menor sinal de recebimento dos Bolsas-Tudo, até a Carinho, vira logo Bolsa-Carrinho!?! Perceberá que os “carrinhos”, na maioria dos casos, são muito mais símbolos de status do que meios eficientes de transporte; servem para efeito demonstração perante vizinhos, parentes e amigos menos afortunados. Prestará atenção nas conversas entre amigos e, quando alguém perguntar algo do tipo “como vão teus filhos”, a resposta será, de pronto: “Bem! Todos já estão com seus carrinhos!”. Não se fala de empregos, diplomas, conhecimento e casas próprias (muito menos da simples felicidade), mas o indefectível “carrinho” está lá sempre presente. Pois são os “carrinhos” que você vomita diariamente nas cidades brasileiras os maiores responsáveis por essa desordem urbana. A CONTA NÃO FECHA! O Brasil encerrou o ano de 2010 com 64.817.000 veículos licenciados. Essa brincadeira de mau gosto significava, há dois anos que, a cada 2,94 brasileiros, um veículo estará presente na história, a maioria dos quais, por óbvio, formada por “carrinhos”. São Paulo (capital) lidera com 6,390 milhões de veículos licenciados; Rio 2,063; BH, 1,340; Curitiba, 1,247 e Brasília (nossa ilha da fantasia, campeã dos números relativos veículos/habitantes) com 1,245. Há carros registrados em exatas 5.567 cidades brasileiras. Eu não possuo carro e, obviamente, tenho facilidades de distâncias entre minha moradia, o local de trabalho e o bequinho onde faço refeições. Mas, aqui em Belém, me movo com facilidade a pé e tenho minha carteirinha de idoso para nada pagar na frota pública que sempre me atendeu as necessidades. Em qualquer super eventualidade pego um fresquinho, micro-ônibus com ar condicionado perfeito e passagem a 3,30 ou um táxi com bandeirada ínfima e atinjo pontos muito distantes a 15,00 a corrida. Moro numa quase penitenciária, quase cabeça-de-porco mas com segurança de prisão e sossego. Imaginem, contudo, que dos 120 apartamentos daquele “condomínio” a grande maioria entope as passagens e entradas com “carrinhos” absolutamente incompatíveis com a simplicidade do lugar. A maioria de novos e seminovos. Frota toda brilhando. Já me disseram que, sem meu “carrinho”, nada conseguirei por aqui como professor e advogado. O ônibus pune! Mas os “acarrinhados” já começam a entupir o simples tráfego belenense de outrora pegando seus veículos para ir comprar cigarro na esquina. Será que ninguém percebeu que, a prosseguir esse estado de coisas, as cidades vão parar e a felicidade de morar nelas, simplesmente desaparecerá? Pequim hoje possui quatro milhões de bicicletas. Dados dos anos 80 dão conta que havia 500 milhões de ciclistas na China. Na virada do século, com 130 milhões de habitantes, havia 80 milhões de bicicletas no Japão. Com dados de 2008 existiam 60 milhões de bicicletas no Brasil, talvez com esse número aumentado em um terço nos dias atuais , o que daria menos da metade da população do Censo de 2010. Tudo começou nos anos 70 em Delft, na Holanda, restringindo-se o tráfego de carros particulares nas zonas centrais. Groningem, também na Holanda, criou quatro setores que não podem ser transpostos por qualquer tráfego motorizado privado, sendo este desviado para os anéis viários. Quando fui a Nova Iorque, em 1970, estava se fazendo uma experiência para proibir carros particulares em Manhattan, especialmente nas Avenidas. Maddison, das Américas e na Quinta Avenida. Só ônibus, táxis, veículos de segurança, ambulâncias e bombeiros. A coisa me pareceu fluir muito bem. Não sei como está hoje lá, pois não voltei mais, porém imagino que a solução das bicicletas já deve estar sendo adotada. Cinquenta por cento dos deslocamentos urbanos nos Países Baixos, Bélgica, Suíça etc. já são realizados por bicicletas. Gotemburgo na Suécia busca a dianteira nesses números que parecem pertencer a Copenhagen que, nos anos 70, iniciou uma política de redução gradual da oferta de vagas de estacionamento em suas zonas centrais. O que mais é preciso para perceber que nada resolverá o caos do trânsito urbano no Brasil exceto diminuir o número de carros ou a adoção do uso indiscriminado de bicicletas? É tempo de parar de culpar os outros e apontar um dedo para nossa própria cara ou, se assim quiserem, vamos todos mudar para Afuá, cidade paraense situada no arquipélago de Marajó, onde existem quatro carros registrados para uma população urbana de 35.017 habitantes. Na verdade, esses carros são da Prefeitura e trafegam em Macapá e Belém. Na cidade mesmo nada motorizado pode trafegar. Nem motos! A cidade é uma Super Veneza, montada todinha em palafitas e as bicicletas lideram as estatísticas nacionais, claro que por necessidade. Então está combinado: todos para Afuá, com os “carrinhos” guardadinhos em casa, certo? A propósito, nos anos 60 quando eu ia para o Colégio, todos os dias dava de cara com o então Reitor da Universidade Federal do Pará (de quem não recordo o nome), de terno preto, sentadinho no mesmo coletivo. Se fosse hoje, ele não serviria nem para merendeiro de escola municipal de Ananindeua. Simples assim!

Um comentário:

  1. Você falar dos carros, mas não se esqueça que antes deles existe um elemento mais barato e que praticamente TODA família do interior brasileiro possui hoje: a motocicleta!

    A venda de bicicletas só cai no país, e a de motos quintuplica a cada ano. Simples assim.

    Os acidentes com motos já ultrapassaram no ano passado os com veículos, dados do Ministério da Saúde.

    Sem falar que uma grande parte dos que as têm não possui carteira de habilitação para tal fim.

    Ou seja, estamos fodidos. Mais ainda os meus filhos, que ainda nem nasceram....

    ResponderExcluir