Ah! Que beleza um passeio no
futuro, para curtir a mobilidade urbana. Feche os olhos e imagine um dia de
cão: trânsito totalmente paralisado; 295 km de engarrafamento em uma
megalópole; ônibus, táxis e carros particulares levando meia hora para vencer a
distância de uma quadra (quarteirão, para os paraenses); motos pipocando como
vespas; ambulâncias, carros de polícia e outros de socorros gerais gemendo alto
suas inúteis sirenes; pessoas enfartando, vomitando no próprio colo, saindo dos
carros em desespero e brigando entre si; casais novos já se esculhambando; sinais
de trânsito trocando de cores num balé absolutamente sem função; milhões de reais
em negócios perdidos; atrasos generalizados; desespero e ranger de dentes;
D.P.O.C’s. (enfisemas, asmas, bronquites e cânceres pulmonares) pairando pelo
ar; taxistas desistindo de prosseguir na profissão. Você pensa que isto ainda
vai acontecer? Esqueça! Já ACONTECEU na cidade de São Paulo em 1º de junho do
corrente ano, exatamente como foi relatado acima, às 19 horas. Quem é o maior
culpado por essa Babel? Evidente que todos tenderão a afirmar que as vias são
mal sinalizadas; as verbas são desviadas; o serviço de transportes públicos por
metrô, trens suburbanos e ônibus é precário; não há investimentos no setor; as
frotas são envelhecidas e pouca segurança existe; fiscalização deficiente; dirá
também que é necessário adotar medidas extremas, aliás as mais drásticas e
antipáticas, as penúltimas adotadas em todo o mundo antes da total proibição do
tráfego nas áreas centrais das cidades: rodízios de placas e pedágios urbanos.
Como sempre a tendência será culpar governantes e sistemas, contudo, no final
das contas a culpa é sua. Está surpreso? Você é o maior culpado e optou
preferencialmente por esse caos! Quando jovem, com a indústria automobilística
“nacional” começando a bombar, o seu corpo e sua mente foram treinados para se
dividir em cabeça, tronco e .......rodas! Você não foi educado e nem está
educando seus filhos para sonhar primordialmente com a casa própria. Pode ver
as pesquisas e enquetes feitas pela grande mídia e constatará que o primeiro
sonho do jovem brasileiro é ter seu “carrinho”. Mesma coisa a nova classe média.
Também na classe pobre quando, ao menor sinal de recebimento dos Bolsas-Tudo,
até a Carinho, vira logo Bolsa-Carrinho!?! Perceberá que os “carrinhos”, na
maioria dos casos, são muito mais símbolos de status do que meios eficientes de transporte; servem para efeito
demonstração perante vizinhos, parentes e amigos menos afortunados. Prestará
atenção nas conversas entre amigos e, quando alguém perguntar algo do tipo
“como vão teus filhos”, a resposta será, de pronto: “Bem! Todos já estão com
seus carrinhos!”. Não se fala de empregos, diplomas, conhecimento e casas
próprias (muito menos da simples felicidade), mas o indefectível “carrinho”
está lá sempre presente. Pois são os “carrinhos” que você vomita diariamente
nas cidades brasileiras os maiores responsáveis por essa desordem urbana. A
CONTA NÃO FECHA! O Brasil encerrou o ano de 2010 com 64.817.000 veículos
licenciados. Essa brincadeira de mau gosto significava, há dois anos que, a
cada 2,94 brasileiros, um veículo estará presente na história, a maioria dos
quais, por óbvio, formada por “carrinhos”. São Paulo (capital) lidera com 6,390
milhões de veículos licenciados; Rio 2,063; BH, 1,340; Curitiba, 1,247 e
Brasília (nossa ilha da fantasia, campeã dos números relativos
veículos/habitantes) com 1,245. Há carros registrados em exatas 5.567 cidades
brasileiras. Eu não possuo carro e, obviamente, tenho facilidades de distâncias
entre minha moradia, o local de trabalho e o bequinho onde faço refeições. Mas,
aqui em Belém, me movo com facilidade a pé e tenho minha carteirinha de idoso
para nada pagar na frota pública que sempre me atendeu as necessidades. Em
qualquer super eventualidade pego um fresquinho, micro-ônibus com ar
condicionado perfeito e passagem a 3,30 ou um táxi com bandeirada ínfima e
atinjo pontos muito distantes a 15,00 a corrida. Moro numa quase penitenciária,
quase cabeça-de-porco mas com segurança de prisão e sossego. Imaginem, contudo,
que dos 120 apartamentos daquele “condomínio” a grande maioria entope as
passagens e entradas com “carrinhos” absolutamente incompatíveis com a
simplicidade do lugar. A maioria de novos e seminovos. Frota toda brilhando. Já
me disseram que, sem meu “carrinho”, nada conseguirei por aqui como professor e
advogado. O ônibus pune! Mas os “acarrinhados” já começam a entupir o simples
tráfego belenense de outrora pegando seus veículos para ir comprar cigarro na esquina.
Será que ninguém percebeu que, a prosseguir esse estado de coisas, as cidades
vão parar e a felicidade de morar nelas, simplesmente desaparecerá? Pequim hoje
possui quatro milhões de bicicletas. Dados dos anos 80 dão conta que havia 500
milhões de ciclistas na China. Na virada do século, com 130 milhões de
habitantes, havia 80 milhões de bicicletas no Japão. Com dados de 2008 existiam
60 milhões de bicicletas no Brasil, talvez com esse número aumentado em um
terço nos dias atuais , o que daria menos da metade da população do Censo de
2010. Tudo começou nos anos 70 em Delft, na Holanda, restringindo-se o tráfego
de carros particulares nas zonas centrais. Groningem, também na Holanda, criou
quatro setores que não podem ser transpostos por qualquer tráfego motorizado
privado, sendo este desviado para os anéis viários. Quando fui a Nova Iorque,
em 1970, estava se fazendo uma experiência para proibir carros particulares em
Manhattan, especialmente nas Avenidas. Maddison, das Américas e na Quinta
Avenida. Só ônibus, táxis, veículos de segurança, ambulâncias e bombeiros. A
coisa me pareceu fluir muito bem. Não sei como está hoje lá, pois não voltei
mais, porém imagino que a solução das bicicletas já deve estar sendo adotada. Cinquenta
por cento dos deslocamentos urbanos nos Países Baixos, Bélgica, Suíça etc. já
são realizados por bicicletas. Gotemburgo na Suécia busca a dianteira nesses
números que parecem pertencer a Copenhagen que, nos anos 70, iniciou uma
política de redução gradual da oferta de vagas de estacionamento em suas zonas
centrais. O que mais é preciso para perceber que nada resolverá o caos do
trânsito urbano no Brasil exceto diminuir o número de carros ou a adoção do uso
indiscriminado de bicicletas? É tempo de parar de culpar os outros e apontar um
dedo para nossa própria cara ou, se assim quiserem, vamos todos mudar para Afuá,
cidade paraense situada no arquipélago de Marajó, onde existem quatro carros
registrados para uma população urbana de 35.017 habitantes. Na verdade, esses
carros são da Prefeitura e trafegam em Macapá e Belém. Na cidade mesmo nada
motorizado pode trafegar. Nem motos! A cidade é uma Super Veneza, montada
todinha em palafitas e as bicicletas lideram as estatísticas nacionais, claro
que por necessidade. Então está combinado: todos para Afuá, com os “carrinhos”
guardadinhos em casa, certo? A propósito, nos anos 60 quando eu ia para o
Colégio, todos os dias dava de cara com o então Reitor da Universidade Federal
do Pará (de quem não recordo o nome), de terno preto, sentadinho no mesmo
coletivo. Se fosse hoje, ele não serviria nem para merendeiro de escola
municipal de Ananindeua. Simples assim!
Você falar dos carros, mas não se esqueça que antes deles existe um elemento mais barato e que praticamente TODA família do interior brasileiro possui hoje: a motocicleta!
ResponderExcluirA venda de bicicletas só cai no país, e a de motos quintuplica a cada ano. Simples assim.
Os acidentes com motos já ultrapassaram no ano passado os com veículos, dados do Ministério da Saúde.
Sem falar que uma grande parte dos que as têm não possui carteira de habilitação para tal fim.
Ou seja, estamos fodidos. Mais ainda os meus filhos, que ainda nem nasceram....