Ahhhh Copacabana, Rio de Janeiro, Brasil! Quem está na minha
faixa etária evidentemente sabe do que estou falando. Quem for mais velho
curtirá ainda mais o que somente li à época. Quem for mais novo vai nos
invejar. Em 1952, então com cinco anos, fui ao Rio pela primeira vez. Como não
posso me escapar à condição de memorialista, a mesma que permeia personalidades
como André Nunes, Pedro Nava e Zélia Gattai (e guardando minha quilométrica
distância deles), minha mente é um arquivo em cinco dimensões: sinto frios ou
calores, odores de maré, meus olhos lacrimejam ao toque enamorado da brisa
marinha, minha pele se eriça sem explicações, o sal arde nas entrâncias, a
cabeça voa desesperada de prazeres virgens, os carros passam velozes, estou
andando em um túnel pela vez primeira; o Túnel Novo que deixa pra trás Botafogo
e entra pela Princesa Isabel, fronteira com o Leme. O Nash preto de meu tio,
modelo 48, vai pela Atlântica pra eu poder gravar na retina da alma aquela
visão diáfana, efêmera na paisagem mas eterna no látego do coração: o mar
beijando a areia, ondas altas, povo lindo, sereias e deuses bronzeados. Nunca
pensei que houvesse o paraíso na Terra e se ele existisse, certamente seria
Copacabana, hoje completando 120 aninhos. Vi coisas que depois povoariam minha
existência real: o cartaz em neon da Boate Freddy’s, a frente do Sacha’s, o
Copacabana Palace dos Guinle, o Cine Rian (que é Nair ao contrário. Pertencia à
Da. Nair de Teffé esposa do Mal. Hermes da Fonseca, Presidente da República
Velha). Como era de tarde, o futebol na areia comia solto, 11 contra 11, com o
grande clássico entre Royal (time da Rua Real Constant) e o Copa-Leme, com juiz
descalço mas vestido de preto e bandeirinhas. Um era o Flamengo e o outro o
Vasco. Juntava muita torcida no calçadinho (1/5 do calçadão de hoje mas já com
aquele piso em pedras portuguesas sob a forma de ondas). A Atlântica tinha duas
vias simples (mão e contra-mão). Apesar de muito novinho, os pontos turísticos
de então pouco me importavam, logo, nada de Sugar Loaf e Corcovado; ficava pra
depois. Já sabia ler e me encantava com nomes como Stanislaw Ponte Preta,
Dolores Duran, Antônio Maria, Tom Jobim, Ari Barroso, Nelson Rodrigues, Danuza
Leão, Chico Feitosa (o Chico Fim de Noite), Agostinho dos Santos, Almir Ribeiro,
Zaquia Jorge, todos pertencentes a um mundo impróprio até 18 anos imagina eu
com meus quase seis. Mas concordei logo com Nelson que afirmava sentir
nostalgia do Rio logo que cruzava o Túnel Novo. A magia de perscrutar no
horizonte se ia ou não dar praia no outro dia, já era uma aventura. Passar no
Antonino’s, bar onde nasceria a Bossa Nova e eu ainda nem sabia, mas que ficava
na esquina da Aires de Saldanha com a Xavier as Silveira, há 50 metros do
Edifício Muqui, onde ficava hospedado no Aptº 505, onde moravam meus tios
Lucilia e Morais e minha prima Heliane que custei a imaginar que falava, de
tanta formosura, e com sotaque carioca. Meus tios me levaram ao Hotel Quitandinha, em Petrópolis, para um fim
de semana. Era um imenso centro de lazer com Cassino (fechado no Governo Dutra
para atender aos reclamos da Igreja) e uma coisa impensável: enorme piscina
aquecida dentro de uma imensa redoma de vidro, tudo esfumaçado. Lá foram
rodadas muitas cenas extra estúdios, das chanchadas da Atlântida. Mas também
visitei o antigo Cassino da Urca, já naquele tempo servindo de sede à TV Tupi,
Canal 6, emissora líder do conglomerado de Assis Chateaubriand, as Rádios e
Emissoras Associadas. Mas Copacabana era minha aula de vida em todos os
dezembros. Vi começar a Bossa e os protestos pós 64 no Teatro Opinião e no
Teatro de Arena na Miguel Lemos; vi Elis ao vivo, toquei no seu braço e dei uma
inocentíssima encoxada dentro de um fusca de sua prima, Gílcia; já podia me
esgueirar pelas Boates do Beco das Garrafas, claro que de tarde, pois de noite
por ali transitavam Elis, Bôscoli, Baden, Vinícius, Tom, Johnny Alf, Leni
Andrade, Lúcio Alves e Dick Farney em seu inesquecível dueto em Tereza da
Praia. E, dueto por dueto, Dick encantou o mundo ao gravar Você com Norma
Bengell, a mais bela, gostosa e desejada sapatona do mundo. Como ela escondia
bem...e nós pensando que aquela cara de tarada era nos ratos de praia. Tudo
velcro, cara! Copacabana era manhã, tarde, noite e madrugada. Quando pude pagar
um michê, bem novinho, ia curar minhas ressacas de Cuba Libre nos becos da
Miguel Lemos, tomando a sopa levanta pau de velho. Mas mantendo íntegra minha
juventude e recém saída infância: Festival Tom & Jerry, todo o primeiro
domingo do mês, no Metro Copacabana; sundae de marshmallow com cobertura de
morango e castanha no Bob’s da Domingos Ferreira, bem defronte o Instituto São
Sebastião onde estudei meu quinto ano primário. Eu e o Nazir Zaire, também de
Belém, íamos pelo corte do Canta Galo pescar lambaris na Lagoa Rodrigo de
Freitas limpinha. A empregada de Tia Luci só tirava as tripas, punha sal e
torrava tudo na banha quente: puta merda que coisa gostosa, triturando o
espinhaço com os dentes. A maior diversão era andar a pé, em Copa, depois do
almoço. Olhar as vitrines da Barbosa Freitas, Slopper, Lojas Americanas e
Brasileiras. Fugir das bichas que nos ofereciam grana por um boquete nas
matinês dos cinemas carcomidos de luxúria da Galeria Alaska. Boas notas
significavam polvo com arroz e brócolis, Fetuccine a Alfredo di Roma ou Lasanha
Verde a Eduardo, na Spaghetilândia de Copa, aos domingos após a leitura do
Boletim Escolar Mensal. Quando sobrava tutu, era certo, especialmente no
inverno, um chocolate quente na Filial Copacabana da Confeitaria Colombo,
acompanhado por folheados certamente feitos pela Virgem de Fátima. Passagem de
ano não podia ser na praia pois éramos evangélicos e íamos à Igreja
Presbiteriana do Pastor Benjamim, na Barata Ribeiro, ouvir o coro perfeito
cantando a Aleluia da Haendell na passagem cronometrada. Mas vou entregar: logo
após me separava do bolo e ia curtir umas baforadas do charuto vagabundo de uma
mãe de santo possuída pois ninguém é de ferro. Saravá! Aí vieram os festivas,
as guitarras elétricas, o rock pesado, as drogas e, finalmente, a violência e
Copacabana começou a parecer, como falava Drumond de sua Itabira, nada mais que
um quadro na minha parede de memória, mas como sempre doendo. Hoje Copacabana
me soa como a felicidade que não pude reter; a saudade sempiterna de meus
mortos ilustres; as tardes sem porrada mas com arte num Maracanã com presença
média de 130 mil torcedores; os boleros findaram, a Bossa resiste capengando, o
charme de Copa foi se esvaindo nos enterros de seus mais emblemáticos
moradores. Não volto lá desde 1997 ou 15 anos. Nem sei se o chopp do bar da
Miguel onde frequentavam João Saldanha, Carlos Imperial, Sandro Moreira, Luiz
Mendes, Ronaldo (marido de Martha Rocha), meu pai e meu irmão ainda é gelado
como antes. Também não imagino quem venderá as rosas que Pedro das Flores
entregava como Sarita Montiel em Las Violeteras. Nem sei se Copacabana ainda
existe. Mas sei que minhas saudades são eternas e imutáveis. Salve Copa!
Simples assim!
Eu mesmo vou comentar meu escrito, fazendo a errata que um aprendiz de alemão (Alzheimer)como eu, sempre necessita em suas memórias:1) O Time da Real Constant chamava Royal Constant, mesmo. 2) Xavier DA Silveira; 3) O Grupo de Chateaubriand era Diários e Emissoras Associadas; 4) A prima de Elis chamava Gláucia e não Glícia e trabalhava numa sapataria na esquina da Praça do Lido; 5) Ao invés de Becos da Miguel leia Beco da Fome; 6) O bar da Miguel Lemos com o chopp mais gelado do Rio era o Bar do Osmar; 7) O playboy que casou com Martha Rocha era o Ronaldo Xavier de Lima e o fez para ganhar uma aposta. Esse fato viria a ser imitado, anos mais tarde, pelo playboy francês Phillipe Junot, que ganhou aposta milionária ao levar a princesa Caroline de Mônaco, ainda virgem, ao altar. Obrigado!
ResponderExcluirEngraçado. Logo quando iria começar a escrever, eis que pipoca na TV ligada ao meu lado a notícia de um garçom de um quiosque que foi espancado por uma gangue de jovens endinheirados ontem (1º/08) à noite em...bingo, Copacabana!
ResponderExcluirVeja só a "diversão" da juventude hoje: espancar um trabalhador saindo do emprego.
Uma pena....e uma pena também eu não ter vivido pelo menos um pouco desse período áureo do bairro mais famoso do mundo.
eu não tinha visto esse post.. sensacional!!! sabia que na esquina da aires de saldanha com xavier da silveira [duas esquinas de onde morei] existe um bar em que toda sexta uma galera da bossa se reúne, e rola uma roda de samba muito clássica!!
ResponderExcluirbeijos saudosos, de você e da esquina da leopoldo miguez com a xavier..