segunda-feira, 4 de março de 2013

Cantinho da Poesia


Não sou nem nunca fui poeta. Mas o brasileiro sempre se acha um pouco médico, técnico de futebol e poeta. Dentro desse diapasão cheguei a escrever um livro, obviamente não publicado como quase todos os meus "livros", do qual resolvi, de quando em vez, pinçar alguma coisa no ramo. Se levar muita paulada, peço perdão antecipado. Se alguém gostar, de vez em quando vou soltar mais alguma coisa, de três em três. São três poemas de tema amor. com algum cuidado de rima e ritmo, bem na contra-mão da poesia contemporânea. O quê fazer?

FADO DA VOLTA (UM SONHO IMPOSSÍVEL)

Quando acordei ontem
Te vi ao meu lado
E cantavas um fado
Alegre e sereno
Negação do próprio som
Que nasce triste e ameno
Nas terras d’além-mar.

Na euforia dessa volta
Meu sonho se encurta
E se solta,
Amando em tom maior.

Mas, dissonante desperto
E do lado, o fado estreito,
Não és tu é meu peito
Que insiste em respirar.

ABORTO

Por esta vez inusitada
Cada lágrima que descia
Meu rosto abaixo
Era um pedaço que eu paria
Do amor sem dizer nada.

Colhia fragmentos de alma
Que não mais habitam
Essa morada.

Que pena o não poder
Reter em minhas entranhas
Um ser diferente
Que pulsa ao sabor
De montanhas nunca dantes escaladas.

E se comigo chora
Esse momento inarredável
Mais reclamo o aborto inexplicável
Que explode de dentro p’ra fora
Arrastando o alento que inda agora
Se fazia certo em minha estrada.

De repente vem o tempo
E estanca a hemorragia
Ensinando ao sangue
O caminho de volta ao coração
E de antemão me preparo
P’ra sangrar novamente
Até quedar inerme
Esperando um primeiro verme
A livrar o mundo
Do meu enfado.

Mas enquanto se passa
Esse tormento
Decerto que o vento
Não pára de soprar
E então o corpo se endireita
E a alma espreita
Um jeito de ressuscitar.

Se rasga o ventre da terra
E por dentro dos destroços
Renasce um fogo sem remorsos
De arriscar-se a morrer de novo.

Esse é o sentido da vida,
O âmago deflorado do sofrimento :
Não importa a dor do sentimento
Mas há que resguardar
As cinzas deste parto, 
Os restos corroídos desse incesto
Que alimentou o inverno inacabado.

Assim, dessa maneira inglória, 
muito pouco gloriosa,
Eu e tu seremos história
Resgatando do peito fatigado
Uma vontade de amar bem teimosa.

E amanhã quando a neblina
Avançar sobre os meus caminhos
Não diga eu
Que por medo de espinhos
Jamais colhi uma rosa.

SÓ PRANTO


Em meio às teias da noite
Quando desce a cortina e o espetáculo se faz
No ambiente do coração e da mente,
Sendo o público presente
Nada mais que a própria alma,
Tu vens e me perguntas por quê choro ?

Choro de alegria
Pelo fato de estar contigo.

Choro de tristeza
Pelo caráter finito do tempo.

Choro de surpresa
Pela dádiva inesperada.

Choro de emoção
Pelo espanto presente
No amar de novo.

Choro de aflição
Pela impossibilidade de mudar
O caminho que ele terá.

Choro de ambição
Ansiando que ele seja
Mais do que será.

Choro de fingimento
Para que penses
Que não choro por ti.

Choro com sinceridade
Por minha incompetência
Em saber as regras do jogo.

Choro de prazer
Ao constatar que vou sentir
Tudo de novo.

Choro de medo
Do caminho que volto a trilhar.

Choro de dor
Pelo sangue que verterei
Na jornada.
Choro pelo calor
Que amornará meus sonhos.

Choro pelo frio
Que grassa nos momentos
Em que se quebra a ternura.

Choro pela doçura
Que decerto envolverá
Meus carinhos.

Choro pela servidão
Inerente à paixão.

Choro pela escravidão
Macia que de ti virá.

Choro de alarde
Anunciando toda tarde
Que te amo outra vez.

Choro de sede
Pela antevisão de teus gemidos.

Choro de fome
Que não sacia meus pruridos.

Choro pela luz
Que de mim brota
E se encontra com a tua
No infinito.

Choro pela escuridão
Que abrigará nossos sentidos.

Choro pela razão
Que pode perturbar esse sono.

Choro pelo passado
Que nos conduziu a estar
Ao alcance de um olhar.

Choro pelo futuro
Pleno de esperança
Mas sempre tão vadio.

Choro por teus olhos
Oceanos não pacíficos.

Choro por tua beleza
Uma nave que passeia
Por galáxias desconhecidas.

Choro de desejo
O que não exige
Maiores explicações.

Choro pela alma
Que se debate em meio
Ao trauma dessa nova era.

Choro de gratidão
Pelo dia em que te conheci.

Choro como um bicho
Fiel ao capricho 
Que tudo permite.

Choro pela quadratura do círculo
Que garante minha insanidade.

Choro pela pedra filosofal
Que dá sentido
Tanto ao bem quanto ao mal.

Choro de vergonha
Desse medo que me assoma.

Choro de inveja
Dos que arriscam sem petiscar.

Choro de saudade
Da vida que sempre
Sonhei em levar.

Choro de pena
Pela vida que
Consigo levar.

Choro de incômodo
Pela covardia
Que tanto atrasa.

Choro de desassombro
Com a coragem
Que vezes me projeta.

Choro pela sabedoria
Dos insensatos.

Choro pela estupidez
Dos sábios da Terra.

Choro pela canção
Que te vai eternizar.

Choro por meu coração
Que há muito não bate,
Só apanha.

Choro pela sorte
Que passa intermitente
E quase me faz feliz.

Choro pelo azar
Do qual nada se diz
Mas está sempre por perto.

Choro pela morte
Escandaloso silêncio
Dos sentidos.

Choro pela eternidade
Tão querida se fosse em teus braços.

Choro pelo traço
Fino dos teus lábios.

Choro pelos contornos
Lógicos do teu corpo.

Choro pelos adornos
Que tanto te embelezam.

Choro pelos braços
Com os quais me sustentarás.

Choro por Deus
Que nos criou.

Choro pelo demônio
Que nos ensinou.

Choro pelo sangue
Que reaprende o
Caminho de volta ao coração.

Choro pelo filme
Pelo qual vou te lembrar.

Choro pela sanção
Gloriosa de quem ama.

Choro pelo romance
Que até hoje reclama
Sua real posição.

Choro como um traste
Condição que permeia
Minha existência.

Choro pelo desastre
Que me rouba a paciência.

Choro pela última ceia
Que toda noite terei contigo.

Choro pelo amigo
Que nunca quiz ser.

Choro pelo amante
Que assim pôde nascer.

Choro pela revolução
Da qual participarei.

Choro pela traição
Pela qual me fiz teu rei.

Choro pela paz
Extrema dos cemitérios.

Choro pelos mistérios
Acima de qualquer suspeita.

Choro pela mão
Que afaga e apedreja.

Choro pelo senão
Que passeará entre nós.

Choro pela foz
Dos rios que escondem
Seus afogados.

Choro pelo sermão
Que não convence os derrotados.

Choro pela vitória
Inglória da ingratidão.

Choro pela escória
Dos que não precisam perdão.

Choro pela glória
Dos que amaram em vão.

Choro pela insensatez
Que me fez assim
Tão descuidado.

Choro pelo enamorado
Sob a lua sempre crescente.

Choro pela história
Que te fez ausente.

Choro pelo som
Que vem das catedrais.

Choro pelo Tom 
Que se foi p’ra nunca mais.

Choro pelo presente
Que não existe.

Choro pelo tormento
Inerente a quem insiste.

Choro pela ausência
De ter o que prantear.

Choro pelo alimento
Que nos manterá despertos.

Choro pelas pendências
Que explicam esse
Tempo incerto.

Choro pelos juízos
Que de nós farão.

Choro de solidão
Em meio ao universo.

Choro pelo verso
Que escreveram por mim.

Choro como um querubim
Vagando pelo céu.

Choro pelo anel
Escrito com nome errado.

Choro pelo enfado
Companheiro velho de guerra.

Choro pela Terra
E seu destino duvidoso.

Choro pelo pecado
Que faremos tão grandioso.

Choro pelo perdão
A um juiz penitente.

Choro pelo pente
Que sempre arranja teus cabelos.

Choro pelos pelos
Que já me faltam
Nos lugares certos
E os que crescem
Nos sítios errados
E com muito zelo.

Choro pelos ministros
De todas as crenças.

Choro pelos templos
Onde Deus sequer passa perto.

Choro pelo incesto
Nascido de mal com o mundo.

Choro pelo vagabundo
Que foi escolhido rei.

Choro pelo pinheiro
Que não cresceu
Da semente que plantei.

Choro pelos dias
Que escondem 
Tão bem suas coxias.

Choro pelas noites
Com seus incessantes açoites.

Choro pelos anjos
Que cabem na ponta 
De uma agulha.

Choro pelo pulha
Que morre encostado
Em barranco.

Choro pelos santos
Expulsos da Igreja.

Choro pela chuva
Que o solo viceja.

Choro pelas águas
Que orvalharão nossas faces.

Choro pelo velho
Habitante em casa nova.

Choro pela cova
Da qual renasceremos.

Choro pelo sol
Para onde iremos.

Choro pelas cruzes
Que executam os justos.

Choro pelos sustos
Que me darás a cada instante.

Choro pelos loucos
Quebrando a lua com pedras.

Choro pelo passante
Que nem sabe que existimos.

Choro pelos sinos
Que por ti dobram sempre.

E se mais motivos houvesse
Choraria pela relva que cresce
Sem ordem nem progresso.

Choraria pelo sucesso
Que jamais aparece.

Afinal, choraria por amar
O sabor acre da lágrima ou, quem sabe, só porque
Gosto muito de chorar.


domingo, 3 de março de 2013

Preconceito sempre é preconceito!

Não sou religioso nem sectário mas você já notou quando alguém comete um crime hediondo e é evangélico a manchete dos jornais é taxativa: Crente (ou evangélico) comete estupro! Você lembra de ter visto alguma manchete afirmando: Católico rouba carteira! Ou, Espírita mata o noivo homossexual, ou ainda, Budista mata a mãe? Nunca!

A moda sai de moda?


O que é a moda? De onde vem esse determinismo que anula a opção estética de cada ser individual para impor uma ditadura de formas no que deveria ser um processo de livre escolha do ser humano? Por quê, no fundo, as pessoas seguem a moda? Pior que isso, por que as pessoas que não seguem a moda são patrulhadas pelos corifeus dessa estética padronizada? Ah Deus, penso que se as pessoas pelo menos desconfiassem o quê está por trás disso tudo??????? Parece claro que, ano após ano, estações após estações, uma massa razoável de seres humanas se preocupa em saber se o que está usando é fashion ou não; se tal vestimenta ou sapato pode ou não pode; se você está in ou out, em suma, se está arrasando ou ridículo. A moda, para se destacar, criou uma linguagem super categorizada e muito próxima do paroxismo; você não pode falar seu próprio idioma ou as pessoas não lhe entenderão. Expressões como cropped, scarpin, redingote, bolero, mini, midi, maxi e milhares de outras palavras, são próprias do universo da moda e, para os iniciados, de um lado ou de outro do balcão, são dignos de piedade e misericórdia os simples mortais, como eu, incapazes de caminhar por esses campos que me soam tão estranhos e exóticos. Evidente que desde a antiguidade existiam apenas calçados e vestimentas. Coisas voltadas para proteger o ser humano das intempéries e das dificuldades normais que a sobrevivência incentivava. Parece que o uso e, principalmente, a exploração econômica de modismos surgem como filhotes espúrios da Revolução Industrial eclodida na Inglaterra, por volta da segunda metade do século XVIII. Na Idade Média, as Corporações de Ofício fabricavam tudo através do sistema de manufatura (fabricar com as mãos), artesanato. Por óbvio não existiam severos padrões de qualidade a seguir, exceto quando as Guildas, espécies de Uniões Corporativas criadas justamente para tentar impor um certo nível de estandardização, começaram a se impor e, pela vez primeira, o artesão passou a se preocupar em atingir um determinado nível de qualidade, implantado em regiões fora de seu próprio núcleo criativo, ou seja, seu cérebro. Com a eclosão das máquinas, o esforço produtivo saiu do trabalho braçal para o manual, notadamente no controle desses monstrengos movidos a vapor ou carvão mineral. Para que as novíssimas fábricas atingissem um patamar economicamente viável de produtividade, o burguês capitalista, obviamente auxiliado por uma crescente classe de engenheiros de produção e mestres operacionais, foram criadas formas de padronização que resistem no tempo até nossos dias, comprovando que o ideário capitalista é, praticamente, pós-medieval. Alta produtividade significa por em prática o princípio hedonista que sempre norteou o capitalismo: obter o máximo prazer com um mínimo de sofrimentos. Ora, transplantando-se a máxima para os programas de produção, seria produzir o máximo de mercadorias com um mínimo de custo operacional. Aí, os meios de produção (capital, trabalho, terra e tecnologia) já erigiram o primeiro princípio básico que sustenta a ideia de moda: produzir muito a um custo baixo, visando liberar o proprietário para fazer seu preço. Contudo, nada disso seria possível se as mercadorias produzidas não o fossem com mínima padronização. Daí, criaram-se dois sistemas: padronização das saídas (medidas, peso e outras características da mercadoria) que seriam exatamente iguais não interessando a quantidade produzida, se mil ou um trilhão; o outro sistema é o chamado padronização dos processos onde programam-se as máquinas para que produzam mercadorias somente naquelas medidas, pesos e características. A esse sistema, o sociólogo e filósofo alemão Max Weber, deu o nome de Burocracia Mecanizada. Em sua obra Economia e Sociedade, editada na Alemanha ainda no final do século XVIII. Weber faz a mais perfeita análise ainda hoje válida e não contestada, sobre o fato de que as burocracias mecanizadas suportaram e suportariam o sistema capitalista de produção, em todo o mundo e por todo o tempo. Fora dessa padronização não haveria como manter as prateleiras de consumo permanentemente cheias  e atualizadas com as criações dos Departamentos de Ciência & Tecnologia e Desenvolvimento de Produtos, de todas as empresas capitalistas ao redor do mundo. Inclusive elas adotam o chamado sistema de destruição criativa, mola mestra capitalista e idealizado pelo economista também austríaco naturalizado Americano Joseph Schumpeter, para quem a mola de manutenção do capitalismo é descobrir quando algo está se tornando obsoleto e, imediatamente, colocar algo mais atualizado em seu lugar, mantendo a sensação de premente necessidade de um produto que, há bem pouco tempo, sequer existia. A portentosa indústria da moda nada mais fez que juntar o sistema de produção massificada em economia de escala ao de incentivo à obsolescência, até mesmo a obsolescência forçada, para criar um império que se demonstra indestrutível. Mas ainda falta examinar aonde e em que momento histórico a indústria da moda passou a juntar esses dois processos em seu favor, montando um dos mais lucrativos negócios do mundo. Ao final da primeira guerra mundial e antes de eclodir a segunda, Paris foi habitada por tribos de intelectuais de todo o mundo. Era chamada de La Cité Lumiére, feudo da Belle Époque, rincão das mentes criativas do universo conhecido. Por esse período, o mundo intelectualizado e das elites de então, passaram a usar a expressão de que Paris ditava a moda, no sentido de que as coisas que Henri Miller, Hemingway, Sartre, Simone de Beauvoir, Gertrude Stëin, Virginia Woolf, F. Scott Fitzgerald e Zelda, Anais Nin usavam eram tão importantes que deveriam ser copiados por todos se quisessem parecer atualizados e antenados com a alta cultura. Ao final da segunda grande guerra e estimulada por uma improvável vitória, a orgulhosa França de outrora passou a continuar ditando essa moda pelos seus ateliês da chamada Alta Costura. Coco Channel, Dior, Givenchy e inúmeros outros representantes. Para se ter uma ideia, em 1946 existiam em Paris 106 Maisons de Haute-Couture. Todas as mulheres "poderosas" do mundo obrigatoriamente se vestiam sob esse paradigma. Ocorre que, como se tratava de produção artesanal, cada peça custava uma fortuna e afastava as novas classes médias assim como os chamados Nouveau Riche, do acesso a essas produções individualizadas. Nesse exato momento, grandes costureiros e seus seguidores como Cardin e até de outras plagas como Armani, Balenciaga, Oleg Cassini etc principiaram, ainda timidamente, a produzir peças "exclusivas" mas endereçadas a clientes até então não existentes, inventando o prêt-à-porter (pronto para levar) só que com assinatura das Maisons. Pronto! Estava criado o pano de fundo para unir moda, à burocracia e esta ao capitalismo mais desenfreado que se conhece. O passo seguinte seria disseminar, através das mídias potentes como as revistas especializadas, o cinema e a televisão, hoje fortalecidas pela internet e mídias sociais, a sensação subliminar de essencialidade e necessidade, algo do tipo: Deus me livre sair de casa hoje sem aquele pretinho básico e minha sandália murrrffff! A vestimenta até então utilizada como efeito demonstração das posses do usuário, desfilando seus produtos de altíssima elasticidade-renda, subiu o morro, desculpem, as comunidades e popularizou-se ainda que em camadas estratificadas, como usual no sistema capitalista. Logo, você, meu caro ou minha cara, que hoje se preocupa em saber as tendências ou se o que está usando PODE ou NÃO PODE,  nada mais faz do que enriquecer um enorme manancial de espertos que depende exatamente de você, ainda que nem você perceba isso. E saiba que ela veio pra ficar, já que a humanidade respeita, mais do que os papéis que você desempenha em sua vida, o status que você demonstra. Simples assim!

sábado, 2 de março de 2013

De ignorâncias e ignorantes!

Tem coisas no meu Pará que ainda estou apanhando ao reentrar na atmosfera. Uma delas é a utilização do vocábulo IGNORANTE. Por estar fora da terrinha há quase cinquenta anos, me acostumei ao uso real da palavra, que significa aquele que ignora alguma coisa. Muitas vezes me defino ou a outras pessoas como ignorantes, por não comentarem coisas que não estão dentro do nosso espectro de conhecimentos. No Pará, o termo é usado como sinônimo de rude, grosseiro, tosco ou estúpido. "Como aquele cara é ignorante!", "Deixa de ignorância!". Mesmo procurando nunca ser ignorante, à moda do Pará, continuo ignorante à moda real, isto é, jamais conhecendo todas as coisas. Peço desculpas por ter sido mal interpretado alguma vez. Foi puro esquecimento e nunca "ignorância", tá?

Tem que tirar a bunda do afogado, de dentro do oceano!


Tenho consciência de que sou um chato de galochas de aço quando impinimo (bom esse vocábulo paraense que voltei a usar) com um assunto. Sou repetitivo mas não tautológico. Procuro sempre ver novas nuanças, sombras escondidas quando repiso algum comentário. Também tenho consciência de que criticar, derrubar e esculhambar é infinitamente mais fácil que levantar, construir e mostrar saídas viáveis. A bola da vez é o governo petista, desde Lula. Minhas porradas, certamente, já podem estar desgastadas e, o que parece pior, espraiadas em um esgoto comum de críticas, umas fundadas em seriedade e o resto em simples xingamentos opinativos baseados em muito achismo e pouca realidade, ou melhor, quase nenhuma ciência. O brasileiro que teima em não enxergar feitos portentosos do governo, nos últimos dez anos, seguramente está laborando em equívoco. Os grandes investimentos sociais na verdade carreiam um montão de dinheiro mas dirigido a, pelo menos, saciar a fome de milhões de compatriotas quando antes eram canalizados, à larga, para os Bancos e PROER da vida. Discordo da crítica petista sobre a privatização mas concordo com a denúncia da PRIVATARIA. Se o Brasil não tivesse promovido aquele ajuste fiscal dolorosíssimo e às custas do patrimônio público amealhado em décadas de muito esforço, certamente seriamos hoje uma nação quebrada, pelo menos sob o ponto de vista da banca internacional , dentro da cartilha imposta no Acordo de Bretton Woods e que criou o FMI, o Banco Mundial e influenciou a criação do Clube de Paris. O Brasil não poderia prosseguir bancando negócios de filões riquíssimos, mas tocados com monumental ineficiência. Difícil imaginar a Vale, a Petrobrás e as outras dezenas de qualquercoisabrás sendo administradas por funcionários públicos despreparados. Privatizar era e é, a solução. O que parece estar esquecido é que grandes conglomerados internacionais adquiriram esse patrimônio com o financiamento do BNDES com dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador. Isto é, os gênios de antanho financiaram as multinacionais para criarem desemprego em real, aqui no Brasil, e ao mesmo tempo engordarem seus empregos em dólar, alhures em terras distantes e ricas, pelo menos naqueles tempos. Hoje o PT sente a necessidade de privatizar e está privatizando portos, aeroportos, estradas e toda a falida infraestrutura nacional pois ela é imprescindível a manter um crescimento real e sustentável. Sem ela o Brasil não cresce, pouco importando a taxa desse crescimento. E veja-se que não falo em desenvolvimento que é um crescimento sustentável com distribuição de renda e serviços públicos que elevem o padrão de vida de toda a população. Claro que o PT está fazendo uma parte importante do desenvolvimento na parte da distribuição de renda. Nunca dantes, neste país, houve uma luta importante contra a miséria e a fome. Essa conquista não se pode negar. Contudo, a ausência de infraestrutura e de contrapartidas por parte dos milhões de assistidos, levam a um resultado social portentoso mas economicamente pífio. Justamente o oposto do almejado pelos governos anteriores: crescimento aceitável e equilíbrio invejável mas em cima de fome e miséria da maioria. Também não se pode negar que crises internacionais sempre existiram, umas mais outras menos profundas. O que de importante se pode creditar ao PT, onde se lê, por óbvio, Lula e Dilma, é que o país sempre buscou sair dessas crises POR BAIXO, penalizando a massa miserável, tributando a imensa classe média (mantenedora de nosso mercado interno) e premiando as elites. Desde Lula o país inaugurou a SAÍDA POR CIMA, dando prevalência a incrementar o consumo através da exoneração fiscal, além do aumento de ingressos pelo enriquecimento indireto e, principalmente, a facilitação do crédito e a injeção de renda real para os miseráveis e que passaram a compor uma nova classe média baixíssima. Se nunca mencionei essas conquistas penso que foi por ter me enredado em tanta corrupção mantida e incrementada por esses dois governos do PT. Me lembram, essas conquistas, do caso daquele inventor da máquina para salvar afogados. Foi testá-la no Arpoador em dia de domingo de verão quarenta graus. Ao primeiro sinal de afogamento, o salvador da pátria veio, enfiou um tubo traqueia a dentro, da vítima, e mandou ver bombeando a água por uma pera. Dez minutos de muita água puxada e um garotinho falou: moço, se o senhor não tirar a bunda do cara de dentro d'água vai bombear o oceano atlântico inteirinho. Assim faz o atual governo. Incha uma nova classe média pelas Bolsas e renúncias fiscais que fortalecem o consumo mas esquece de tirar as imensas bundas de dentro dos mares: ineficiência na infraestrutura, ausência de investimentos, aumento de gastos públicos, assunção de riscos no equilíbrio fiscal, já descontrolado processo inflacionário e, last but not least, crise nos mercados compradores internacionais. Mas a crise já nos foi benéfica. Lula passou quase seus oito anos de mandato surfando numa alta colossal no preço de nossas commodities e usou a dinheirama bem e mal. Bem para tirar a fome do povo, em ação inédita no Brasil; mal por pouco ter feito para que saíssemos dessa dependência, em nosso comércio exterior, de produtos quase sem valor agregado, valendo só o seu próprio peso. Fundo Soberano, aumento inusitado de divisas, final do fantasma da dívida externa. Isso não é pouca coisa mas fruto de uma visão ainda míope, desfocada, com horizonte muito próximo. Houvéssemos utilizado essa onda de progresso, despreocupados com taxas de crescimento mas envolvidos com efetiva construção de uma infraestrutura que combalisse o custo Brasil, teríamos um desenvolvimento sustentável em pleno andamento, comemorando, aí sim, taxas admiráveis de crescimento como as da China e Índia que já estão fazendo esse dever de casa há muito. Se o PT não tivesse medo de usar conquistas dos militares e do PSDB, se procurasse tirar o que de útil o neoliberalismo nos legou, sem gritarias e histerismos ideológicos e ontem o Ministro Mantega não teria que mentir ao povo, como ao próprio governo, culpando a crise internacional pelo nosso ridículo crescimento. Tivesse Lula, a seu tempo e Dilma desde o início, cuidado da Petrobrás sem usá-la como quintal de empregos da militância; investido na Vale para criar indústrias periféricas que gerassem valor agregado aos nossos minérios. Se tivessem deixado a EMBRAPA em paz, livre da qualificação como curral de empregos de pelegos. Se tivessem desonerado de tributos a PRODUÇÃO, tanto quanto fizeram com o consumo..... Deus era tão fácil, equivalente a tomar biscoito de criança a grito, no meio da praça! Mas prosseguiram com a política correta na base de saciar a fome dos miseráveis, mas tão carcomida de ideologia que não os deixa enxergar um palmo adiante da razão mais reles: não basta dar o peixe, porra! Tem que ensinar o povo a pescar pois é dele, nele e para ele que se produzem as riquezas de um país. Não sou eu que digo mas Kuan Tzú há milênios. Desde Vargas, com as conquistas do operariado, nunca dantes tanto se fez no Brasil pela massa esfomeada. E Vargas dirigiu suas ações aos operários, uma classe de baixa renda mas pequena à época, enquanto os governos petistas o fizeram em direção ao povo. Agora vêm que não era bastante, do mesmo jeito que não foi bastante para FHC equilibrar as contas e manter milhões passando fome. Na via inversa, é fundamental tirar a fome mas, sem equilibrar as contas, a fome voltará, com absoluta certeza, pelas asas da inflação, filhote espúrio e incontrolável da irresponsabilidade fiscal. Mantega prometeu cinco por cento de crescimento no ano passado, quando a crise era a mesma, colhendo 0,9%. Já prometeu de três a quatro por cento para este ano, desde de antemão sabendo que essa meta permanece inalcançável pela impossibilidade de criar infraestrutura em um ano. Ele sabe que está mentido. Aliás, há muito ele mente descaradamente e Dilma, o governo e todos nós damos de ombros. Sempre digo que a história é um romance que aconteceu e se repete. Este filme fui vivido pela América no início dos anos 30. Saíram de uma depressão profunda tomando remédios amargos mas plantando hortas onde pudessem nascer as boas verduras que manteriam a saúde da nação em alta, por muito tempo. Usaram dinheiro inflacionado para construir uma gigantesca infraestrutura que preparasse o país para suportar e alavancar um crescimento cinco vezes maior do que aquele que precisavam. Essa infraestrutura perdurou até o início dos anos 2.000. Agora eles estão padecendo pelo descuido no trato com DÍVIDA PÚBLICA, a mesma que já assume proporções apocalípticas por nossas plagas. Eles ainda podem sair por cima; para nós as chances já diminuem pois, em poucos anos, não teremos mais estradas, portos, aeroportos, vias vicinais, silos, armazéns, indústria de bens de capital. Somando isso ao desempenho inexistente na saúde e na educação, formamos o pano de fundo para a catástrofe e aos beneficiários das Bolsas restará o nada: nada pra comer, nada pra fazer! Sim! Era necessário fazer este reconhecimento público das conquistas do PT, mas finalizando pelo final: depois de tanta luta, de uns e de outros, Mantega afirma que continuamos como bosta n'água, dependentes de "crises" que vicejam em países ESSENCIAIS como Portugal, Espanha, Grécia, Turquia, Islândia, Cazaquistão e assemelhados. O fim do mundo é logo ali. Basta a China quebrar! 

sexta-feira, 1 de março de 2013

A arte imita a vida!

Curiosamente, a respeito da morte, revi por mero acaso, dois filmes de minha pequena videoteca: Um de 1970, o clássico (injustamente chamado de dramalhão) da tristeza real, Love Story, com Ryan O'Neal e Alli McGraw, contando ainda com a participação de Ray Milland, um monstro sagrado da época de ouro de Hollywood, imortalizado como o marido assassino de "Disque M para matar" de Hitchcock e com excepcional performance de Grace Kelly, além de uma pontinha de um jovem Tom Lee Jones, depois transformado no genial Tommy Lee Jones. Quando ele descobre sua doença incurável, pensa que ela nada sabe a respeito e resolve comprar duas passagens para Paris, velho sonho de consumo da esposa. Ela então revela que sabe de tudo e diz para ele esta frase antológica: Forget Paris! What I need you can't give to me: TIME! Em outra parte, ele lhe pede desculpas e ela responde, categórica: Love means never having to say you're sorry ! Logo depois, coisa do subconsciente talvez, revi Playing by heart (Corações apaixonados, 1998) estória de entrelaçamento de histórias com um fantástico elenco onde pontuam Sean Connery e Gena Rowlands (Paul e Hannah, o casal que celebra a confirmação das bençãos de um casamento de 40 anos); suas três filhas, um genro, dois namorados e um amante Gracie, Hugh, Roger (Madeleine Stowe, Dennis Quaid e Anthony Edwards); Mildred e Trent (Gillian Anderson e Jon Stewart); Joan (Jo-Jo) e Kenan (Angelina Jolie e Ryan Phillippe) além da vizinha Mildred (Ellen Burstyn) e seu filho Mark, aidético e moribundo (Jay Mohr). Quando Mark percebe a morte iminente pergunta a Mildred, sua mãe e ela responde o que considero um dos mais belos libelos acusatórios da morte de um filho pelos olhos de uma mãe. Diz ele: Mãe! Fale-me sobre a morte! E ela responde: Lembra quando você estava saindo do meu ventre e eu sentia as dores do parto, pois agora elas começaram de novo! Ah o cinema!

Wilma Célia Cativo Rosa (de Araújo).

Wilma Célia era um astro que sempre espelhava, com muita vantagem, o brilho das estrelas. Estrelas aparecem, são centro de atenções. Astros refletem seus brilhos. O sol é uma estrela de quinta grandeza. A terra é um astro que lhe orbita, entrega a seiva de sua vida a sete bilhões de seres humanos. Quem seria mais importante? O sol com sua majestade, ou a mãe-terra, nutriz, carinhosa, silente e imprescindível? Pensei em relatar minha quase extensa biografia de vida ao lado de minha prima Wilma Célia Cativo Rosa de Araújo mas julguei, como também fui carinhosamente advertido de que poderia esquecer personagens e ser injusto. Então decidi ir no geral. Wilma era minha prima, enredada pelo meu sangue e de outras seivas amigas, por todos os lados. Era a segunda na nossa linhagem em Belém, que começava com Ilma, também já partida, e que terminava em mim, até 1956 quando apareceu o intruso do Manoel Abreu (saudades meu primo). Certamente não era por eu ser o caçula da cidade. Era de sua índole. Suas bonecas eram imensas, maiores do que ela, a espraiar o sentimento latente de maternidade que demonstraria ao longo de sua vida, com todos, eu digo TODOS que, pelo menos, cruzaram com ela numa viela ou beco. Tenho certeza que ela abriu aquele sorriso escancarado, quando não soltou a gargalhada, permanente moradora da rua de seus lábios. Existem pessoas, poucas pessoas, que conseguem sorrir com os olhos, mesmo estando tristes. Assim era Wilma Célia, ainda que catando a odiosa cebola cozida em meio ao arroz, à qual comparava com lesmas. Sem ser star ou starlet, a gente nem percebia mas tudo girava em sua volta. Elemento catalisador de paz, amor e harmonia. Nunca entendo como ela jamais cansou ou enfadou-se desse papel. Nós, paraenses, sempre tivemos na família nuclear um bem maior e insubstituível, mesmo depois da nova família, aquela que surge com o casamento. Muito criança, voando nas divagações de meus quatro anos e verificando já a saúde claudicante de minha mãe, pensei centenas de vezes, um clarão até então inconfesso e agora dito, como se o tirasse dos porões de uma ditadura do tempo ou amamentado por alguma utilidade: se mamãe morrer vou pedir ao papai pra morar na casa da Tia Carmita. Lá tenho ela (que me soava como uma substituta materna com as vantagens de não me punir, nunca), Tio Nequito (que me chamava de "tio" e me cumulava de beijos, atenções e muito amor), Cláudio (meu irmão, companheiro de paixões clubísticas e folguedos mais varonis), Venise (a mais próxima em idade e companheira de brincadeiras desde o gol a gol até as panelinhas pra fazer as sopas de capim) e, por último mas nunca menos importante), Wilma (a paz e a segurança como a serpente esculpida no deserto para acalmar e guiar o povo de Israel em seu desesperançoso êxodo). Bastava trocar um olhar de dois segundos e o sorriso desmanchava qualquer amargura. Soa improvável, mas é verdade: meu irmão Antonio André, "transferido" pra casa da vovó onde estava Tia Carmita que tinha ido cuidar dela em seus últimos momentos, tinha fraturado expostamente tíbia e fíbula; o gesso vinha da virilha ao calcanhar tornando o calor e a coceira insuportável naquele fevereiro de 1958. Quando o desespero era muito grande ele gritava WIIIIIIIIIILMA e ela, já sabendo do que se tratava, sentava num banquinho, punha aquela perna engessada em seu ombro e ficava às vezes duas ou três horas conversando para passar o tempo e diminuir o inchaço. Ou ainda, arghhhhhhhhhhhh, só ela era capaz de deitar a meu lado, no cair da tarde, para catar oxiúros desesperados pelo calor. Eu não precisava pedir pois ela escutava meu choromingar de longe. Com isso mais os remédios engolidos,  me curei em dois dias.Quem não viveu ou conviveu com Wilma,  maintenant c'est fini (parva homenagem ao francês que ela estudava na Aliance Française); acabou a possibilidade material. Agora só no sonho, na imaginação e na esperança de um paraíso no porvir. Wilma é muito mais que tudo isso. Jamais estive tão perto de uma encarnação tão perfeita do amor e da paz. Um dia, minha irmã mais velha, meu porto e segurança nos momentos mais delicados dos pânicos infantis, um dia, possuo mais que esperança a certeza de que estaremos, novamente, ao alcance de um olhar. Enquanto isso, vai emprestando esse brilho todo, não como mera estrela encantada, mas como astro de grandeza incomensurável, paridor e mantenedor, nas galáxias nutrizes e lactantes das partes mais recônditos e importantes do Universo. Aquelas que imitam os peitos das mães, fartos de leite e amor. Realmente, descansa em paz e me perdoa, ainda que tardiamente, por alguma coisa que deixei respingar em teu imaculado manto de estrelas!