domingo, 28 de abril de 2013

Bom dia para as universidades particulares.

Demorei um pouco para entender quando, ainda nos anos 70, Martinho da Vila botou no ar um samba gostoso, como quase todos que ele faz, dizendo: Felicidade, passei no vestibular; mas a Faculdade, é particular. A faculdade ela é particular. AAAAAAhhhhh a Faculdade é partiiiiiiiculaaar! Existem muitos assuntos que tenho que repetir alguns aspectos. Fiquem tranquilos pois ainda não é caduquice da minha parte. O problema é que as coisas se misturam, se imiscuem umas nas outras, de uma certa forma em que análises e embasamentos muitas vezes se repetem. Gosto demais de lembrar uma frase do astrônomo Carl Sagan dita acho que em 1983, quando ele afirma que: “Se não fossem a Idade Média e o incêndio da Biblioteca de Alexandria, a humanidade hoje (o hoje seria em 1983) estaria passeando por outras galáxias”. Na verdade o conhecimento é o maior insumo da evolução humana e caminha cada vez mais veloz. É sabido que a Biblioteca de Alexandria, entre os séculos III a.C. e IV a.D., possuía um acervo de 700.000 rolos de papiros e de pergaminhos onde se continha TODO O SABER PRODUZIDO PELA HUMANIDADE DESDE A ANTIGUIDADE. Há controvérsias sobre sua destruição pelo fogo. Desde o século XVIII, quando o Renascimento e o Iluminismo já punham em xeque o poder da Igreja, passou-se a discutir a versão de que o fatídico desastre teria sido determinado na conquista do Egito pelos muçulmanos em 642 a.D. pelo Califa Rashidun Omar Ibn al-Khattab. Mas isso não importa mas apenas o terrível acontecimento que privou o saber de ter seu livre caminhar. Já a Idade Média foi um período de obscurantismo cultural, também patrocinado pela Igreja, entre os séculos V e XV já da era cristã. Com efeito interessava à Igreja manter o povo na ignorância e isso era ameaçado pelo poder dos reis. Afinal, quem coroava os reis eram os Papas. Pulverizado o poder dos soberanos pelo mando dos Barões em milhares de feudos, estava livre a Igreja para comandar a velocidade e qualidade de transmissão do conhecimento para espraiar suas verdades mesmo dentro da ciência que, à época, se misturava à filosofia e à teologia. Não se contava, contudo, com a criação da Universidade de Bolonha, em 1.088 e, muito menos, com um fantástico acordo entre os poucos reis da época e o próprio Papa do qual resultou a promulgação, por Frederico I, da Alemanha, em 1.158 a.D., de uma “Constitutio Habita”, espécie de Lei Orgânica, que a transformou em uma Cidade-Estado (ao estilo do Vaticano de hoje). Sem esse acordo seria impossível sequer a concepção de uma universidade no sentido de um lugar sagrado onde o conhecimento com todas as suas hipóteses, teorias e teses poderia livremente ser cultuado, mesmo que contrariasse a própria Igreja e criticasse os reis. Essa conformação de culto ao saber e ao livre pensamento foi a centelha que mantém todas as universidades, ao redor do mundo, como um território livre, inclusive de agressões de quaisquer espécies. Bom, pelo menos deveria ser assim. Fui concebido nesse ambiente quando tive a honra de ensinar, pesquisar e praticar extensão do saber, na Universidade de Brasília e sei que esse espírito se mantém vivo em todas as Universidades públicas brasileiras, federais, estaduais e até algumas municipais de muita qualidade. Premido pelos problemas de saúde de minha mãe fui obrigado a abdicar desse mundo e, a partir de 2002, fui ensinar em três universidades particulares em Anápolis e Goiânia, as duas principais cidades do Estado de Goiás, motor dos mercados rurais brasileiros. Acostumado, hoje vejo que mal acostumado, ao sagrado dever das universidades de priorizar o conhecimento, fui sendo apresentado, aos poucos mas inexoravelmente, a uma realidade de absoluta submissão aos interesses do mercado. Como sempre fui professor e razoável estudante da Ciência da Administração, senti que, cada vez mais, que eu era cobrado a adotar essa visão encarceradora. Tentei criar revistas para a publicação de artigos científicos nas próprias universidades mas não senti  eco ou reverberação de minhas ideias. Procurava dar aos meus alunos uma visão substantiva, científica do processo de gestão, pois a ótica adjetiva ensinava modismos e técnicas passageiras que estariam obsoletas exatamente dois dias após pegarem seus diplomas. Instigava meus alunos a aprenderem a aprender e eles me cobravam aulas com parafernália eletrônica que dá mais sono que auxilia no processo de transmissão de conhecimento. Dava aulas sei que interessantes, no famoso cuspe-e-giz e passei a ser visto como uma excrescência que se preocupa com coisas ultrapassadas. Lembro que em minhas aulas de Gestão de Pessoas, só para ficar em um único exemplo, começava o programa desde a interação e a comunicação entre os seres humanos e ia subindo de intensidade até que os alunos percebessem o quê faziam as organizações no contexto da sociedade contemporânea e o quê faziam os seres humanos dentro dessas organizações; como entende-los, como se comunicar com eficácia, com eles, para que se sentissem motivados a produzir em ambientes tão competitivos e pouco cooperativos. Expunha todas as teorias cientificamente testadas, nesse campo, ao mesmo tempo que expunha a fragilidade das teorias meramente especulativas. Ao final de dois semestres, alguns alunos me procuraram pra dizer que me seguiriam até o final do Curso, por eu ser o único professor que os instigava a pensar, orientar trabalhos com método científico e desestimular as “pesquisas” do tipo copia-cola, na Internet. Enquanto isso, uma aluna, lembro-me bem, loura platinada no melhor estilo Marylin Monroe, foi reclamar na Reitoria dizendo que eu ministrara Gestão de Pessoas I e II, durante um ano inteiro, e não ENSINARA SEQUER A FAZER UMA FOLHA DE PAGAMENTO! Pasmem, foi isto mesmo que ouviram. Minha querida aluna me cobrava maiores conhecimentos no preparo de laranjada no Cursinho Walita. Mas meu universo caiu em desencanto quando fui impedido de preparar o programa de minha disciplina, aprontar os trabalhos e provas, indicar a bibliografia que EU julgava melhor para suporte de minhas aulas, enfim, tudo passou a vir em pacotes preparados na chamada Universidade-mãe, geralmente situada no Sudeste brasileiro. Fui reclamar com meu Coordenador de Curso e, estupefato, dele ouvi que meu papel de professor, nessa era da altíssima tecnologia, era só de orientar o estudo dos alunos pois esse era o papel do professor contemporâneo já que tudo estava nos tablets que acessavam a Internet, principalmente enquanto eu dava aula. Nem mais um facilitador eu era. Essas Universidades estão conseguindo concretizar uma reengenharia do saber, PARA BAIXO, eliminando o papel da universidade como receptora, guardiã e transmissora do saber, para se transformar em um títere da lógica do MERCADO, esse ser  impessoal e invisível que não tem cpf, cnpj ou endereço, mas é tratado como um vizinho velho conhecido. Para atingir esse desiderato, evidente que a engenharia realizada é teoricamente impossível e tergiversa toda a verdade cientificamente reconhecida e aceita em todo o mundo, menos no Brasil. As organizações de ensino, pesquisa e criação, como escolas, hospitais, institutos que tratam do desconhecido, sem mapas ou roteiros (NASA, EMBRAPA e tantas outras) têm sua padronização de trabalho feita antes do indivíduo ingressar nelas, justamente nas escolas e universidades. Ninguém ensina um médico ou determina que ele proceda assim ou assado em uma delicada cirurgia na qual é especialista. Para qualquer novo hospital que ele for, leva consigo sua técnica. Contrariamente, as fábricas e outras organizações de produção de bens e certos serviços, podem aumentar sua eficiência e produtividade, padronizando os processos de produção (máquinas que fazem tudo sempre igual) ou as saídas de produtos (os tijolos só são aceitos se tiverem tal peso, medidas e conformações). Pronto, nessas chamadas burocracias mecanizadas as pessoas não precisam pensar pois está tudo já pensado. Se um operário tentar ser criativo na linha de produção da Coca-Cola ele será fuzilado pelo Supervisor, na hora! Mas naquelas chamadas burocracias profissionais não é assim: os profissionais são livres para criar e assim aumentar a produtividade da organização. Ora, o produto de uma universidade deveria ser um aluno que, pelo menos, aprendeu a pensar e como e onde pesquisar o avanço da ciência ou técnica na qual se diplomou, nunca ser um imbecil juramentado com um inútil diploma na mão. Mas é isso que as universidades privadas estão fazendo no Brasil. E esse é um crime ajudado pelo Desgoverno já que com o FIES, o PRO-UNI e as cotas, já que importante e gerador de votos é idiotizar a juventude brasileira a tal nível no qual apenas o que é produto da técnica, a manufatura, o visível é prestigiado. O Brasil precisa só de engenheiros, não é o que se diz? Aí tudo fica no ponto pra Lula e Dilma iniciarem uma campanha publicitária do Partido que patrocinou a maior onda de corrupção em nossa História, com muito poucas pessoas se revoltando. Simplesmente porque NÃO SABEM pois os professores que tentaram mudar isso estão no ostracismo, como eu. Sei que estou dando um tiro no pé e, pelo menos em cidades onde esta crônica seja lida, jamais voltarei a ter um emprego numa fábrica de diplomas dessas. Não importa, não me calei!  De qualquer jeito nunca seria contratado mesmo. Afinal, sou muito velho e experiente pra ser professor. Simples assim!  

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